22.

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Sina Deinert

Humilhante.

Nada no mundo poderia ser mais humilhante que aquele momento. O momento onde eu finalmente reencontrava o homem pelo qual vinha sonhando há meses, pelo qual estava ridiculamente apaixonada. O homem que havia gritado comigo, dizendo coisas horríveis na frente de tantas outras pessoas. O homem que transformou minha vida em um inferno tão rápido quanto um piscar de olhos. O único homem que se destacava dos outros sem nem precisar fazer força para isso, e que agora me fazia sentir pior do que nunca.

Era humilhante.

A vontade irracional que me tomou foi socar qualquer coisa que estivesse a minha frente. Liberar um pouco de toda a raiva e mágoa que estavam estranguladas dentro de mim talvez fosse me fazer bem, mas eu estava muito concentrada naqueles olhos. Aqueles olhos me prendiam, tinham um poder muito estranho sobre mim. Talvez esse poder fosse afetado pela saudade que eu sentia dele, mas o fato era que eu estava parada feito uma imbecil, olhando-o sem saber o que dizer, enquanto ele me encarava de volta.

Por que eu tinha que encontrá-lo nessas condições? Por que justo hoje? Por que justo agora, merda? Por que não poderia ter sido há algumas horas atrás?

Há alguns meses atrás...

Mas eu devia mesmo ter feito algo de muito ruim em outra encarnação, e agora pagava pelos meus pecados. Então, é claro que ele me encontraria no momento em que eu estaria desempenhando meu humilhante papel de prostituta de esquina, praticamente transfigurada com toda aquela maquiagem, correndo o risco de uma iminente crise de pânico e choro.

Eu estava agora dividida com vários pedaços de sensações. Uma parte minha queria morrer, porque assim tudo acabaria rápido e eu não teria mais que suportar todo aquele mal estar.

Outra parte queria puxar o homem que ainda me encarava e socá-lo com toda a força, em todas as partes alcançáveis, por ter me abandonado quando tinha dito que ficaria ao meu lado.

Uma terceira parte queria se jogar nos braços dele e se enrolar como um gato em seu peito até que toda a dor, sofrimento e mágoa fossem simplesmente esquecidos.

Uma quarta parte não queria nada, além de continuar ali.

Seria bom se eu dissesse algo. Seria bom se ele dissesse algo. Mas ambos permanecemos em nossas posições, feito estátuas, e eu tinha certeza que ele acabaria com um torcicolo e eu com uma dor na coluna provavelmente insuportável.

Então lembrei que ele estava ali por um propósito. Não era justo com ele, nem comigo, nos forçar àquela situação. Ele havia me escolhido por algum motivo desconhecido. Talvez não tenha me reconhecido, já que ultimamente eu vinha parecendo muito mais com um zumbi do que outra coisa, além dos meus muitos quilos perdidos e da maquiagem escura que ele nunca me vira usar.

Ele estava lá por um motivo, e ele havia me escolhido. O motivo não importava, seja ele porque me reconheceu ou porque achava que eu era uma puta qualquer. Mas essa era a verdade incontestável, ele estava lá pra escolher sua companhia da noite.

Respirei fundo tentando controlar a voz, o choro e a vontade de vomitar, antes de quebrar o silêncio. Se era isso que ele queria, era isso que ele teria.

- Cinquenta dólares.

A expressão dele, antes indecifrável, passou imediatamente para um choque tão real que eu pude quase sorrir com o efeito que aquilo havia causado nele. Seria uma expressão tão engraçada se a situação não fosse tão repugnante.

Vi que ele ia responder. Não sei se ia soltar um palavrão ou falar algo que me agredisse ainda mais, mas quaisquer que tenham sido seus pensamentos, jamais puderam ser ditos. Vi uma mulher aparecer de repente na janela mais próxima a ele, no motorista, e eu pude identificá-la como uma das prostitutas que riam de mim enquanto eu tentava respirar há poucos minutos atrás.

𝗗𝗲 𝗥𝗲𝗽𝗲𝗻𝘁𝗲, 𝗔𝗺𝗼𝗿 | 𝗻𝗼𝗮𝗿𝘁.Onde histórias criam vida. Descubra agora