23.

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Sina Deinert

- Senta.

Fui surpreendida por sua voz rouca, rasgando o silêncio do quarto bruscamente, mas me recuperei do susto rapidamente e fui sentar na beirada da cama alta.

Ele se virou para me encarar, e embora sua postura continuasse controlada e rígida, houve um vacilo bastante óbvio em sua expressão indiferente quando os olhos dele encontraram os meus. Sentindo que seu muro de resistência poderia estar começando a ruir, ele se apressou em falar.

- Por que saiu da casa de Tanya?

- Porque não podia mais continuar lá. - Respondi imediatamente, me surpreendendo com a calma e a falta de vida em minha voz.

- Por que não?

- Por que está tão curioso?

- Quero saber o que de tão grave assim aconteceu para te fazer sair de lá e preferir fazer programa com qualquer um em qualquer esquina.

- Preferir? Você acha que eu prefiro? Acha que eu estaria dessa forma se tivesse opção?

Eu deveria estar gritando com ele, pelas suas conjecturas absurdas e estúpidas, e porque ele não sabia de nada. E porque ele não tinha o direito de querer saber nada sobre a minha vida. Não depois de me abandonar. No entanto, minha voz continuava calma e fraca, como se eu estivesse tendo uma conversa agradável sobre as estações do ano.

- Então por que saiu? Por que estava naquela esquina imunda, daquele jeito? Por que se prestou a esse papel?

- Por que eu sou uma puta.

Pela segunda vez naquela noite, vi minhas palavras atingirem-no em cheio, e pela segunda vez o choque tomou conta de sua expressão. Mas dessa vez, além de choque, havia também um inconfundível traço de culpa em seus olhos, e eu sabia o motivo. Meu objetivo não era atingi-lo, mas foi impossível não lembrar que aquelas mesmas palavras foram as últimas coisas que eu ouvi dele antes que me abandonasse.

Era bom saber que eu também conseguia despertar alguma reação nele. Assim não me sentia em desvantagem pelo fato de que quase tudo que ele falava me atingia com uma força quase insuportável, fazendo com que eu mal conseguisse me manter de pé a cada pancada. Era bom saber que ele não estava tão bem, tão indiferente e tão controlado como parecia.

- Você não era assim...

A postura dele estava mudando aos poucos. Agora, ele não parecia tão seguro, mas sim alguém que quer convencer, principalmente a si mesmo, que tudo está sob controle. Os olhos dele eram menos frios e pelo modo de não saber onde colocar as mãos, eu poderia dizer que ele estava nervoso.

- Eu mudei.

- Estou vendo.

- Não ouse me julgar. - Falei, ainda muito calma, e senti uma lágrima descer pelo rosto antes que eu pudesse evitá-la. Desviei o olhar dele mecanicamente, olhando agora para o chão.

- Não estou te julgando... Só não quero te ver desse jeito...

- Não me venha com essa palhaçada. - Minha calma agora estava começando a assustar a mim mesma - Você não dá a mínima pra mim, ou pro que eu faço.

- Você não sabe de nada!

- Não, você não sabe de nada. Nada do que eu tive que passar por sua causa. Você não tem o direito de se preocupar comigo, de forma alguma, depois do que fez.

- Não importa se eu tenho ou não o direito, eu me preocupo!

- É mentira.

Ouvi sua respiração inconstante, como se ele estivesse perdendo o controle que fingia ter durante todo esse tempo e fosse explodir. E eu estava torcendo para que isso acontecesse, porque só assim tudo o que não foi dito seria colocado para fora por ambas as partes naquela discussão.

𝗗𝗲 𝗥𝗲𝗽𝗲𝗻𝘁𝗲, 𝗔𝗺𝗼𝗿 | 𝗻𝗼𝗮𝗿𝘁.Onde histórias criam vida. Descubra agora