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Sina Deinert

Saí do centro médico com os votos de "boa gestação" do Dr. Carter. Senti a ficha cair aos poucos, como se fosse algo impossível de aceitar de uma só vez. Uma gravidez não estava nos planos de ninguém, muito pelo contrário, estava sendo evitada. Por isso, não consegui deixar a ansiedade de lado durante todo o percurso de volta ao apartamento de Noah.

– Ok, eu tenho que falar. Desculpe, não queria trazer isso à tona...

Virei para ela pela primeira vez, pega de surpresa pela voz de Any. A viagem havia sido silenciosa até aquele ponto. Eu ainda estava digerindo a informação, tentando desesperadamente traçar algum plano para quando Noah viesse com perguntas como "Onde vocês estiveram a tarde toda?", e, depois da resposta, algo como "E afinal, qual foi o diagnóstico?".

– Que foi? - Respondi, tentando organizar as idéias.

O que Any falava quase sempre era importante, mas naquele momento eu não conseguia dar importância a praticamente nada. Nada que não fosse relacionado à coisinha minúscula que se formava dentro de mim.

– Me desculpe... - Ela repetiu, tentando manter os olhos na rua à nossa frente - Eu sei que não é da minha conta, sei que não tenho que me meter na vida que você e Noah levam... Mas é sobre o filho de vocês...

Nosso filho. Meu e de Noah.
Nosso.

– E sei que é desagradável trazer de volta algumas coisas... - Any recomeçou - Mas você tem que se certificar de que... Bom, de que não tem nada. Você sabe... Mulheres como você... Você antigamente, claro... Você pode ter alguma doença... E o bebê...

Foi a primeira vez que vi Any gaguejar. Ainda assim, não me deixei abalar com aquela lembrança. Ela não era suficientemente importante para isso. Eu estava grávida, e muito poucas coisas além disso importavam realmente. E embora fosse inegável que "se meter" era exatamente o que ela estivesse fazendo, ainda assim eu a entendia. Era claro que Any estava certa. Alguma doença poderia fazer com que o feto corresse riscos.

– Eu estou limpa. - Falei num tom baixo, me voltando para a janela do carona e observando as árvores que ficavam para trás - Sempre fiz exames periodicamente. O último foi feito depois que Noah foi embora. E depois que isso aconteceu, eu não estive com ninguém.

Pelo que eu podia ver da minha visão periférica, ela me encarava com interesse enquanto esperava o sinal abrir. Não dei importância.

– Desculpe... - Ela falou.

– Tudo bem. Eu não me importo.

E não me importava mesmo. Simplesmente porque nada era importante o suficiente.
Eu estava grávida.
De Noah.

– Por que está sorrindo? - Ouvi Any perguntar, outra vez colocando o carro em movimento.

– Por nada. - Respondi, tentando afastar a imagem que se formava na minha cabeça de um bebê gordo, rosado e sorridente, gargalhando enquanto Noah beijava sua minúscula barriga entre travesseiros fofos.

Nos meus pensamentos, ele parecia feliz com a novidade. Nos meus pensamentos, ele me abraçaria e diria que me amava. E diria que aquele filho era a melhor coisa que eu podia ter dado a ele. Nos meus pensamentos, tudo seria perfeito. Mas nem sempre as coisas aconteciam de acordo com os meus pensamentos.

– Chegamos.

A voz de Any me trouxe à realidade outra vez. Estávamos estacionadas na calçada a poucos metros do prédio de Noah. Olhei em volta e notei que ela me observava.

– Ah... Obrigada. - Falei, sem nem saber direito pelo que estava agradecendo.

Saltei do carro com ela em meu encalço, nós duas correndo para dentro do prédio na tentativa de escapar do vento frio que o crepúsculo trazia.

𝗗𝗲 𝗥𝗲𝗽𝗲𝗻𝘁𝗲, 𝗔𝗺𝗼𝗿 | 𝗻𝗼𝗮𝗿𝘁.Onde histórias criam vida. Descubra agora