Puta merda tudo doía. Talvez de fato existisse um motivo pelo qual meus pais nunca deixarem eu dormir no chão do meu castelo de lençóis quando criança.Ao menos eu conseguia mexer a cabeça, e ao olhar para o relógio marcando 06hrs30 da manhã, deduzi que talvez não fosse uma ideia tão ruim perder o primeiro horário.
Levantar foi terrível, mas ir até o banheiro teria sido pior, exatamente por esse motivo me poupei do trabalho e apenas agarrei um moletom amarelo e um all star branco. Eu poderia banhar quando chegasse.
Escolhas estúpidas, eu estava cheia delas. Como dormir no chão, não tomar banho para ir a escola, ou tentar me vestir enquanto descia as escadas.
-- Mas que caralho! -- Gritei ao atingir o chão, e a dor no braço que foi esmagado pelo meu corpo deu lugar a outra coisa quando minha visão foi guiada para botas pretas descansando na mesa branca de jantar.
-- Você achou que sabia voar? -- A voz maliciosa de um sorriso galanteador puxou minha atenção para um rosto que só costumamos ver em filmes de princesa. E não estou falando do príncipe encantado, estou falando do vilão de cabelos pretos que quase faz o mal parecer atrativo.
Mas que porra...
-- Tem como você tirar os pés da minha mesa? -- Eu disse enquanto levantava. -- E quem diabos é você?
Tive a confirmação de que meu braço não estava quebrado quando o levei até o bolso de trás da calça procurando o celular. Estava vazio.
-- Tirar os pés da mesa? -- O sorriso, embora agora confuso, permaneceu, a sobrancelha escura se levantou e deu destaque para as duas esmeraldas em seus olhos. -- É isso o que você tem a dizer? -- Ele parecia quase decepcionado, mas não mais do que eu fiquei ao perceber que provavelmente o celular estava no quarto.
Eu tinha duas opções; atravessar a cozinha americana e ir direto para a porta que ficava, sei lá, a apenas uns 10 passos da onde eu estava. Ou, subir as escadas para o meu quarto e torcer que o celular estivesse lá para ligar para a policia.
É obvio que eu me arrependi no minuto em que escolhi a segunda opção, porque minhas pernas reclamaram quando subi de dois em dois degraus, porque é claro, eu era cheia de escolhas estupidas.
E a risada debochada chegando próxima a minha nuca confirmava isso. A mão grande que cobriu meu pulso me parando no topo das escadas sem esforço algum também confirmava isso.
-- Para onde você pensa que vai? -- A voz sombria dele fez meu coração ameaçar rasgar o peito.
-- Você nunca trabalhou? -- Perguntei, o coração palpitando, um arquear de sobrancelhas dele como resposta. -- Sua mão é extremamente macia.
-- O que? -- A surpresa em seu rosto foi tudo o que eu precisava para puxar meu braço de volta, fazendo um esforço dobrado ao chutar sua barriga. Não me dei o trabalho de o observar rolar escada a baixo quando entrei no quarto e tranquei a porta.
Revirei a escrivaninha que ficava ao lado da entrada. Nada. O guarda roupa brisa primavera, que meu pai insistentemente chamava de amarelo banana, também não estava lá. A cama. Nada.
A merda do celular não estava em lugar nenhum, já minha respiração parecia ir em todos os cantos, ofegante e pesada. Eu deveria ter corrido para fora de casa, que merda era que eu estava pensando.
Algo vibrou. Meu celular. Em algum lugar do quarto. Revirei tudo de novo até ele parar de vibrar e eu não o ter encontrado. Minha respiração piorava, minha garganta queria fechar quando os passos na escada retornaram. E então ele vibrou de novo. Meus olhos correram para de baixo da cama.
Corri para lá, batendo a cabeça algumas vezes antes de me acostumar com o espaço apertado entre a madeira e o chão. Ri sozinha ao desligar o alarme. Salva por um alarme, quem diria.
-- 303 qual sua emergência? -- A voz metódica de uma mulher soou na outra linha.
-- Tem alguém na minha casa.
-- Você mora sozinha? -- Franzi a testa para o celular.
-- É claro que eu moro sozinha. Você acha que eu teria ligado se não morasse?
-- Senhora...?
-- Desculpe, estou nervosa -- Respirei fundo. — Eu moro sozinha, e quando sai do meu quarto tinha um homem desconhecido na minha cozinha.
-- Ele ainda está aí?
-- Moça -- Agarrei o celular com força. -- Tem um desconhecido na minha casa e eu estou escondida de baixo da minha cama. Eu não sei se ele ainda está aqui! Mas a questão é que, como eu disse; tem a porra de um estranho na minha casa. E eu. Moro. Sozinha.
-- Qual seu endereço? -- Ela parecia quase entediada do outro lado da linha, e ao anotar as coordenadas ela continuou : -- Estamos mandando uma viatura até a sua casa.
-- Rápido, por favor.
-- Faremos o possível. Precisa de mais alguma coisa?
-- Bem, -- Me deitei de costas no chão e observei os desenhos de estrela, gêmeos aqueles formados pelas linhas das minhas mãos, que fiz na madeira de suporte da cama. -- Eu ainda não tomei café da manhã, poderiam trazer um donuts de doce de leite?
-- Senhora isso não é delivery.
-- Não. -- Falei quase indignada -- Mas eu estou em choque! E com fome. -- Pensei um pouco. --Algumas pessoas ficam com fome quando estão em choque.
-- Senhora se isso for um trote terei de lhe aplicar uma multa.
-- Não! -- Esbravejei um xingamento quando tentei me levantar, esquecendo de onde estava, e bati a testa na madeira -- Não é um trote.
-- Ok. Mais alguma coisa? -- Sangue escorreu pelo meu rosto quando respondi:
-- Um curativo seria bom.
-- Você está ferida?
-- Sim.
-- Ok, uma ambulância está a caminho.
-- Não, eu só-- A linha caiu. -- Só arranhei a testa... -- Falei sozinha para o celular ao respirar fundo.

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Cheserie Box
RomanceChaserie não é uma caixa de Pandora, mas para o azar de Sabina Canter, a semelhança entre o tamanho da cidadezinha e os segredos guardados com o vento alegam que poderia ser. Uma vez em que olhos verdes de berilo espreitam entre o vão da port...