Capítulo 26

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O sol era delicado ao beijar meu rosto, ao me persuadir em abrir os olhos. Não acordei na minha cama. 

Não acordei em cama nenhuma na verdade. 

Acordei em cima de uma pedra. Do centro rochoso em Leiselen. Zayan Estava sentado ao meu lado com os braços ao redor das pernas. Tatuagens que pareciam ser de uma língua esquecida faziam traços em sua pele. 

Cicatrizes na forma de dedos davam para o seu peito um novo adorno. Me sentei rápido ao lembrar do que aconteceu, o sobretudo se amontoando nas minhas pernas. 

-- Feliz aniversário. -- Ele disse ao olhar para mim, o verde dos seus olhos se misturando com o verde da água ao nosso redor. 

Franzi o cenho para suas palavras, desviando a atenção delas ao perceber a estranheza em como as pedrinhas do fundo do mar não refletiam mais o brilho prateado da lua, e sim o dourado do sol. 

Guarsos são guardiões. Sua voz era a única coisa que ecoava na minha cabeça lenta. Guarsos para o sol, guarlus para a lua? 

O que era isso? Historia para dormir?

Encarei de novo a marca dos meus dedos na pele de Zayan. Minha cabeça ficando ainda mais zonza com as informações que não foram feitas para a cabeça de uma mortal processar facilmente. 

-- Eu fiz isso? -- Engoli em seco. 

-- Sim. -- Ele apenas disse. Não tinha raiva no seu rosto, nem em sua voz. Apenas o fantasma de um sorriso triste ameaçava esboçar seus lábios.

-- Meu deus. -- Quase levei as mãos ao seu ombro, mas me contive, e as levei apenas a minha boca. -- Me desculpe, eu n--

-- Não foi culpa sua. -- Ele me interrompeu, levantando a mão para que eu não fizesse o mesmo. -- Eu deveria saber das consequências sobre o seu campo magnético serem um pouco fortes demais, ainda mais hoje. -- O sorriso em seu rosto ficara menos triste, mais nítido.

-- Não entendi. -- Minha voz era um sopro de confusão. Dessa vez ele franziu o cenho ao explicar:

-- Você tem magia antiga brincando de ser nova em suas veias, Sabina. -- O vento brincou na minha nuca, e aquilo não soava bem.

-- Eu consigo sentir a magnitude dela sempre que um sentimento seu ultrapassa um limite. É forte demais, atrativa demais... -- 

Ele intensificou o franzido em sua testa sem perceber.

-- Fiquei perto demais e como consequência minha magia travou. Antes de você me tocar... -- Meus olhos desviaram para a nova cicatriz em seu peito. -- Eu me perdi na sensação da sua magia se intensificando. Só tomei o controle quando a minha pele derreteu e a carne começou a queimar, que foi quando a sua magia apagou. 

Ele me encarou com uma pergunta silenciosa, uma pergunta mais para ele do que para mim.

-- Se não tivesse parado teria chegado em meus ossos e eu ainda estaria em transe. Acho que seria uma morte justa considerando as vezes que já te matei. 

Seu olhar se intensificou quando eu não sorri. O nó em sua testa diminuiu.

-- Você entrou em pânico quando viu o que fez. --  A garganta ondulava com as palavras como se fossem difíceis de serem engolidas uma vez que fossem ditas.

  -- Não suportei sentir o que você estava sentindo tanto quanto não suportei observar. Não quis te matar porque o sono da morte não é relaxante, você só acordaria em pânico de novo. Usei minha magia para te apagar. -- Ele abriu os braços gesticulando para o local. -- É por isso que ainda estamos aqui. Eu apaguei logo depois de você, acordei alguns minutos antes. 

Eu tinha uma porrada de perguntas, e pela primeira vez ele me olhava como se precisasse que eu dissesse algo. O que era aquilo? Vulnerabilidade? Zayan Seillen era capaz de sentimentos tão terrenos assim?

-- Você tem razão – Eu disse -- Seria mesmo uma morte justa considerando as vezes que você me matou. -- O sorriso fechado no meu rosto trouxe de volta o brilho malicioso do seu.

-- Me leve para casa, bichano. Eu tenho um enterro para ir. 

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-- Você não acha que está bonita demais para um enterro? -- Zayan estava sentado na minha cama enquanto eu me encarava no espelho. 

Então ele me achava bonita? 

-- Os Cipranos tem cultura irlandesa. Após o funeral e enterro, o velório é uma celebração informal do falecido. 

-- Cipresno. -- Ele corrigiu.

-- Que seja. -- O olhei por cima do ombro. -- Eu tenho que está bem vestida para uma festa. 

Os pais de Ciryss nunca gostaram muito de mim. Então acho que um vestido tomara que caia com um pequeno decote em V e a saia rodada, um pouco curta demais, não seja ofensa o suficiente, mas também que não seja respeito demais. Eles não me mostraram nenhum quando meus pais morreram. 

-- É um jeito um tanto mórbido de comemorar seu aniversário. -- Ele disse ao se aproximar de forma preguiçosa com uma mão no bolso do sobretudo que tomou de volta. 

Seu dorso vestido novamente com uma camisa preta. Era 31 de outubro e Zayan foi quem me lembrou. 

Aparentemente a tal magia velha que eu tinha se tornava intensa na meia noite do meu aniversario, e considerando que dia 31 de outubro é o dia da bruxa, Zayan disse que ficava sete vezes pior. 

Os saltos que coloquei eram mais confortáveis do que a sensação de está em um livro de fantasia.

Não comentei com ele sobre o padrão que encontrei com o número sete. Embora eu suspeitasse que ele tinha alguma ideia do que era.

Ele também não me disse nada mais além disso, falou que eu me contentasse com ele me levando para o velório pois ficara sem paciência de me ouvir fazer perguntas. Eu revirei os olhos e concordei enquanto ele fechava meu zíper.

-- Você ainda me deve muitas perguntas. -- Ao disse quando a fumaça branca começou a fazer meu quarto sumir.

-- Se você se comportar eu vejo se estou disposto a negociar algumas respostas. -- Ele disse quando nos atravessou na nevoa ameaçando me cegar.

Quando abri os olhos, Zayan não estava mais na minha frente. E eu não estava na casa dos Sopranos. Eu estava de frente para o meu carro estacionado no Cazz Stop. Um envelope verde estava pregado na janela do carro.

De: Zayan Seillen.

Não vá achando que vou facilitar sua vida após manchar minha pele perfeita. Boa sorte procurando a chave do seu carro. Ou caminhando com esses saltos até a casa dos Cipresno.

Para: Minha bruxinha Sabina.

Era um filho da puta mesmo.

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