Acordei em um susto, a cabeça latejava mas não doía, minha respiração tremula imitava o movimento da minha mão enquanto eu a levava para minhas temporas, apenas para me certificar de que ela não estava amassada quando memorias estranhas surgiram, se materializando bem acima do meu colo.
Cobras.
Me espremi no encosta do banco as minhas costas, não ousando respirar, não ousando piscar, meu pulso se tornando frenético enquanto aquelas duas serpentes verdes pareciam brincar com seus corpos, se divertindo com o terror exposto em meus olhos.
Olhei devagar para o lado, Zayan parecia mais consciente, sua pele voltara para o tom natural de alabastro e sua respiração já não estava tensa, embora seus olhos tivessem adotado um verde mais escuro dos que eu já tinha visto.
Não o que me amedrontava, dessa vez era ele quem tinha... Receio? Dificil dizer se era mesmo isso. Dificil de acreditar.
-- Tira. -- Engoli em seco. -- Essas coisas de perto de mim. -- Elas pararam de brincar. Meu coração deve ter parado de bater junto, especialmente quando elas deslizaram pelo ar para cada vez mais perto.
-- Não toquem nela. -- A voz de Zayan preencheu o pequeno espaço do carro, rude, gutural, um comando. Uma das cobras olhou para ele, como em protesto, o que me fez franzir a testa.
-- Eu disse para não. Tocar. Nela. -- A voz dele dessa vez saiu como um sussurro entre seus dentes cerrados, uma ameaça.
Então elas se arrastaram na direção dele, uma luz fraca se extinguindo aos poucos, uma delas raspando o maxilar dele e deixando um fio de sangue antes de se dissipar em fumaça.
Na luz fraca do carro pude ver ele revirando os olhos enquanto utilizava o terno para limpar as gotas de sangue se acumulando em seu queixo.
-- Criaturas estúpidas. -- Ele resmungou. Eu o olhei incrédula.
-- Que porra. -- Comecei a dizer, fazendo um grande esforço para encontrar minha voz. -- Foi essa.
-- Elas estão com raiva. -- Ele disse como se fosse obvio. -- De mim.
-- Isso não explica muito bem o que eu perguntei. -- EU estava ficando com raiva da quantidade absurda de vezes que ele me deixava no escuro.
Zayan deu um longo suspiro, o pescoço ondulando enquanto ele encarava o teto do carro, pensativo, ponderando alguma coisa.
-- Vou começar do começo. -- Ele disse, descansando um braço na janela do carro e me encarando.
-- Que bom. -- Eu respondi. -- Achei que ia começar do final e eu teria que juntar as peças como se fosse um quebra cabeça.
-- Você não é tão engraçada assim. -- Seus olhos se cerraram na minha direção, dois lasers verde ameaçando me cegar. -- Não me faça voltar atrás e não te contar nada, Canter.
-- O que aconteceu com o Brina, Seillen? -- Eu disse, fazendo um biquinho, ignorando a sensação confusa dos acontecimentos recentes. -- Espere. -- Eu franzi a testa. -- Por que Brina? Meu nome não tem R.
-- Não tem. -- Ele suspirou, e murmurou algo inaudível que mais se parecia com uma prece por paciência. Ignorei isso também. -- Mas deveria.
-- Por que?
-- Você se chama Sabina Canter. -- Ele disse como se fosse obvio, eu o olhei como se ele estivesse falando em outra língua. -- Canter? -- Ele perguntou.
-- Sim, eu.
-- Não, idiota. Canter é o nome da bruxa que incendiou Salém.
-- Hmm. -- Eu disse com um sorriso na boca, o fazendo revirar os olhos. -- Uma rebelde.
Ele levantou uma sobrancelha, como se esperasse que eu lembrasse de algum fator histórico que explicasse o que ele queria dizer. Eu levantei a minha sobrancelha, um reflexo da dele, o dizendo silenciosamente que eu não fazia a menor ideia do que ele estava falando.
-- Sabrina Canter foi a primeira bruxa a se rebelar contra os feiticeiros. Um marco na história da magia. -- Ele suspirou. -- E uma praga na vida de todos.
-- Ela era esperta pelo menos. -- Falou mais para si do que para mim, como se fosse uma velha amiga, me dando um olhar significativo. -- Muito esperta, claramente essa esperteza se perdeu com as outras gerações. -- Ele gesticulou em minha direção com um sorriso no canto do rosto.
Que eu adoraria tirar cruelmente.
-- Babaca. -- Eu falei entre dentes.
--O fato de que eu sou um babaca não te torna menos estúpida.
-- Você é um imbecil, é isso que você é. -- Senti o temperamento querendo tomar o melhor que ainda restava em mim.
-- E você é burra.
--Canalha. -- Algo borbulhou dentro de mim quando o sorriso dele se tornou perverso ao ronronar:
-- Linda pra caralho.
O fervor no meu sangue se tornou algo morno, quase quente. Eu engoli em seco, desviando a atenção daqueles olhos calorosamente hostis ao perguntar:
-- Essa Sabrina, ela se rebelou contra um pessoalzinho e aí, o que aconteceu?
-- Ela se rebelou contra o próprio povo.
-- E o que eu tenho a ver?
-- Pelo amor preste atenção. -- Muito impaciente, ele estava se tornando muito, muito impaciente.
-- Por que que ela fez isso? -- Tentei cooperar, se eu ia ter um pouco de informação, eu provavelmente deveria cooperar.
-- Veja bem. -- Eu o olhei instintivamente, presa em todos os tons de verde que tinha em seus olhos. -- A magia de bruxos funciona diferente da magia das bruxas. Eu te disse uma vez, o quão inflamáveis elas podem ser. -- Ele olhava diretamente nos meus olhos, como se visse algo por de baixo da superfície que confirmava isso.
-- Para nós, a magia demanda um preço, uma troca, uma barganha. E ela vai querer o pagamento, de um jeito ou de outro. Bruxas possuem mais liberdade quanto a isso, a magia não exige um retorno. -- Ele estreitou os olhos bem pouco. --Exige uma gênese emocional, embora ela deixe sequelas, sua magia vem do desejo.
Diesel é desejo, e ao brincar com sentimentos você estava brincando com fogo.
As palavras de Zayan ecoaram na minha cabeça.
Sim.
A voz dele sussurrou. Dentro. Da. Porra. Da. Minha. Mente.
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Cheserie Box
Roman d'amourChaserie não é uma caixa de Pandora, mas para o azar de Sabina Canter, a semelhança entre o tamanho da cidadezinha e os segredos guardados com o vento alegam que poderia ser. Uma vez em que olhos verdes de berilo espreitam entre o vão da port...