Capítulo 3

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Eu deveria cortar a franja. Pelo espelho da viatura pude ver os fios loiros já querendo tampar minha visão enquanto as pontas de cada lado do meu rosto chegavam no queixo.

Eu provavelmente deveria cortar meu cabelo quase todo considerando o quanto eles estavam ressecados. Parecia mesmo que o loiro era pintado e não natural. As sobrancelhas tão escuras quanto carvão também não passavam tanta credibilidade.

Pelo menos não me algemaram. Esse pensamento não durou muito quando saí do carro e o policial que abriu a porta segurava as pulseiras de metal perto de mim.

-- Isso é mesmo necessário? -- Eu perguntei.

-- Falsa comunicação de crime ou de contravenção é algo real, garota. -- Ele me virou para prender meus braços. -- Você saberia disso se estivesse na escola, e não passando trote.

-- Não foi um trote! Quantas vezes tenho que dizer? Eu realmente estava correndo perigo.

Talvez o policial com olhos calorosamente castanhos não fosse me levar a sério com o tom fino que minha voz adotou, mas se eu já estava de algemas caminhando no estacionamento da delegacia, significava que minha credibilidade tinha se perdido a tempos.

-- Tinha um estranho na minha casa! -- Falei em uma última tentativa, apenas para ele sussurrar no meu ouvido quando entramos na sala de espera da delegacia:

-- Sim, sim. E o donut de doce de leite era para ele?

-- Talvez pudesse perguntar você mesmo se tivessem chegado mais cedo. -- E talvez ele não tenha gostado do julgamento em minha voz, pois ele me jogou, literalmente, na cadeira perto de um escrivão.

-- Desacato a autoridade também é um crime real. -- Os olhos dele, não mais calorosos, poderiam ter pegado fogo enquanto falava. Respirei fundo o observando se afastar.

-- Sua multa é de 3500. -- O escrivão disse.

-- Como? -- Perguntei horrorizada tentando ver o rosto por de trás do computador.

-- É isso ou 10 meses de detenção. -- Só podia ser brincadeira.

-- Bem... -- Me encostei na cadeira e cruzei as pernas -- Eu ainda tenho o réu primário ou algo do tipo, isso deve significar que não vai ser nem um nem outro.

-- Não é assim que funciona. -- Ele disse ríspido.

-- Mas isso é injusto! -- Engoli em seco quando senti minha voz querendo falhar e os olhos ameaçando arder.

-- Realmente é injusto. -- O escrivão me cortou antes que eu pudesse continuar. -- Recebemos um chamado para a ambulância de uma senhora que se machucou. -- Seus olhos azuis eram a única coisa que o computador não tampava quando ele olhou para minha testa cortada.

-- Que realmente se machucou. E ela teve que esperar um bom tempo pela ajuda já que só tínhamos uma ambulância disponível. — A pausa dramática quase me fez revirar os olhos — Indo até um alarme falso.

-- A culpa não é minha se o sistema de emergência daqui é escasso! Reclame com outra pessoa se vocês só tinham uma van para atender uma cidade de 200 mil habitantes!

-- Gostaria que eu acrescentasse mais 200 na sua multa? -- Ele fechou o computador, finalmente me permitindo dá um rosto para a voz cansada que falava. Nada surpreendente. A barba castanha tomava metade do seu rosto e os lábios finos em linha reta tão pouco eram atraentes.

-- Olha. -- Respirei fundo. -- Eu não tenho esse dinheiro.

-- 10 meses de serviço comunitário então. -- Ele anotou alguma coisa em um papel.

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