Capítulo 35

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-- Heey. -- Falei ao levantar as mãos em sinal de rendição. -- Eu sei que sou bonitinha e tudo mais, mas eu não tenho nada a ver com o fato de te deixar sem fôlego. -- Ele revirou os olhos, completamente impaciente. Uma risada boba escapou da minha garganta. 

Como íamos de um estado de humor para outro completamente diferente tão rápido? Era perturbador. 

-- Você é burra? -- Ok, eu estava mesmo me cansando de ser chamada de burra, era apenas um estereotipo para loiras.

-- Olha, Seillen, eu sou bem esperta na verdade. -- Falei, sem saber exatamente o que eu queria dizer. -- A não ser que eu esteja apaixonada. Aí eu posso ser meio burrinha.

Zayan riu. Riu mesmo. Ele inclinou a cabeça para cima e riu, como um demónio. Era perturbadoramente confuso, e atraente, e confuso, e muito atraente. 

A risada dele era perigosamente atraente.

Em um piscar de olhos ele estava na minha frente.

-- Foi amor a primeira vista então? -- Ele disse em um sussurro, os lábios tão próximos do meu, o sorrio tão cruelmente atrativo. Engoli em seco.

-- Não. -- Eu disse, instintivamente mordendo os lábios, e os soltando envergonhada. -- Foi quando você começou a me dá uma aula.

A risada dele dessa vez foi zombada, mas... sincera, dando um passo atrás, uma distancia torturante.

Zayan se sentou no chão, completamente alheio a sujeira da terra, suponho que o bichento seja acostumado com sujeira, e encarou a lua crescente no céu sem estrelas

-- Sua magia me chamou. -- Ele começou dizendo. -- Foi por isso que apareci na escola. -- Sentei ao lado dele, ignorando completamente o fato de que existia uma chance muito grande de ter algum bicho entre as folhas.

-- Parece que você acordou com o pé direito hoje, bruxinha. -- Ele riu.

-- Esquerdo. -- Eu o corrigi, intrigada demais com a mudança abrupta de comportamento que eu via sempre que ele estava prestes a se transformar em gato, ou quando tinha acabado de sair da forma felina, o temperamento do animal o acompanhando. Franzi a testa ao continuar:

-- Se diz esquerdo. Quando a gente acorda mal humorado, se fala o pé esquerdo, não o direito.

-- Não se fala não. -- Ele disse ao me olhar incrédulo.

-- Se fala sim. -- Eu respondi com a voz um tom mais fina de indignação.

-- Por que seria esquerdo?

-- Por que seria direito? -- Levantei uma sobrancelha, ele me deu um meio sorriso. Um que eu não tinha visto antes. O ofereci outro. 

-- Touche, bruxinha, touche.

-- Continue, professor. -- Ele me olhou ofendido.

-- Não me chame assim.

-- Não me chame mais de Brina. -- Acidez queimou na minha língua. Eu tinha certeza que ele notou nos meus olhos.

-- Justo. -- Ele balançou a cabeça como se tentasse organizar os pensamentos. -- Por Deus, você tem desvio de atenção ou algo do tipo? Sempre que começo a falar algo você me arrasta pra outro caminho. -- Ele me encarou.

-- Qual deles? -- Perguntei.

-- Qual deles o que? -- Seu rosto confuso e impaciente. 

-- Qual dos deuses? -- Ele bufou incrédulo e respondeu:

-- Eu. -- Me jogando um fio de água, eu poderia jurar que a risada baixa dele fez cocegas no rio, despertou espíritos bons.

-- Bom, -- Eu disse. -- Sou ateia. -- A risada se transformou naquele sorriso de canto que ainda me trazia confusão.

-- Dá pra ver no escuro dos seus olhos que não existe nenhuma faísca de fé para iluminar eles. -- Ele respondeu em tom de brincadeira, mais sincero que risada de criança. 

Não com ele tentando me matar. Ou a vida de merda que essa Sabrina me colocou. De qualquer forma, eu não diria isso a ele, então perguntei:

-- Como minha suposta magia te chamou? -- Franzi a testa.

-- Isso é uma história para outro dia. -- Ele deu um suspiro tremulo, como se tentasse se agarrar a alguma força na terra, antes de continuar: -- Em resumo, você se estressou com o homem cenoura.

Eu ri instintivamente, era melhor que namorado dois.

-- Você se estressou com ele, suas emoções falaram mais alto, despertaram sua magia e você começou o queimar de dentro para fora. Tive que te apagar, e apagar ele também. Abri mão de algumas memórias minhas para que eu o fizesse abrir mão da lembrança do que aconteceu. Te trouxe pro carro, você acordou, mas eu não tinha pagado a divida de ter te desmaiado, por isso quase desmaiei.

Ele desviou a atenção da lua, focando em mim os olhos tão esverdeados quanto a mata em nossos pés. Era incrível como eles brilhavam mesmo no breu.

Como aquilo poderia ser justo? Um ser antigo e quase indolor, que viu e cometeu horrores, ainda ter brilho inerente em olhos tão cruelmente lindos, e eu, ter apenas duas cascas escuras que mal servem para enxergar?

Onde reside a fé em tais coisas? Talvez seja o pote no final do arco iris que ele encontrou ao longo dos séculos. Ou roubou.

-- Você me fez recobrar um pouco a consciência quando me chamou. -- Eu de fato o chamei pelo nome, uma memoria nos músculos da minha língua sobre o dia em que ele me beijou na festa porque eu o chamei pelo nome. Ainda conseguia sentir o gosto formigando como cachaça de jambu.

-- Fiz outra barganha com a magia, para não desmaiar em troca do seu desmaiou, eu te fiz desmaiar mais uma vez, dessa vez para tomar a sua consciência.

Ele semicerrou os olhos para mim, aquele sorriso indecifrável em seus lábios voltando.

-- Você fica adorável enquanto dorme. Agora, eu estou pagando com dor. -- Seus lábios tremiam fazia um tempo, apenas percebi agora.

-- Por isso você estava gritando?

-- Não. -- Lembrei da respiração dele um pouco tensa quando eu acordei. -- Aquilo foi você. -- Ele repetiu. -- Você queria ser ouvida, Sabina. Então suas emoções fizeram a magia agir, tornando a sua voz terrivelmente aguda. Um cliché. Acho que os guardiões não ficaram muito felizes.

-- Certo. -- Eu encarei nosso reflexo na água. -- Guardiões, gente boa, me lembre de novo quem são eles mesmo?

-- Isso também é uma história para outro dia. Tenho que voltar para minha forma animal antes de desmaiar na forma humana, só assim a dor vai ser mais suportável.

De fato, pois sua pele começou a se tornar mais pálida de novo. Pelo menos ele estava sentindo dor, isso me reconfortava um pouco.

-- Poesia? -- Eu disse sentindo um sorriso zombado cruzar minha boca. -- Eu tenho cheiro de poesia, Zayan Seillen?

Ele me olhou intrigado quando eu levantei uma sobrancelha para ele.

-- Aah. -- Um sorriso sem graça surgiu no canto da sua boca. -- Você ouviu isso. -- Uma risada indecifrável escapou dos lábios sedosos. -- Você tem um cheiro bom, Brina.

Qualquer humor sumiu do meu corpo, qualquer desejo ou leveza.

-- Isso. -- O olhei séria, esperando que ele não desviasse dessa vez. -- O que você quis dizer quando falou que essa Sabrina matou meus pais?

Nada em seu rosto ficara abalado, o sorriso se tornou cruel, os olhos se tornaram perversos. Ponto para ele. 

-- Vai ter que dormir se perguntando. -- Ele disse no momento em que se dissipou em sombras, e as sombras revelaram olhos em formato de fendas, presas entre os dentes, as orelhas do gato em pés.

-- Filho da puta. -- Eu o xinguei quando ele inclinou a cabeça para o lado. Cerrei os olhos para ele ao dizer:

-- Me pergunto se gatos não gostam mesmo de água. -- Ele deu um miado que era ou um deboche ou um alerta. -- Acho que, pelo menos isso, não vou dormir me perguntando.

Acertei o tênis no corpo peludo, e ele caiu na água com um rosnado feroz. 

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⏰ Última atualização: Apr 09 ⏰

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