Capítulo 23

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Atrás da minha casa tinha um bosque, denso demais para ser desbravado. 

Zayan não pareceu se importar com isso, nem com o fato de que alguns galhos baixos arranhavam minhas pernas nuas e que meus pés descalços doessem sempre que encontrava uma pedrinha pontuda. 

Me zanguei.

--- Não vou. -- Eu disse fincando os pés em uma terra fofinha e livre de pedras. Ele me ignorou e continuou andando até sumir entre as arvores. Comecei a andar de volta para a minha casa. 

Me frustrei por não poder ao menos usar a desculpa de que eu não o conhecia, e por isso não o deveria seguir para longe da civilização por medo de que ele me matasse. 

Embora eu de fato não o conhecesse bem, ele já tinha me matado antes, quatro vezes, então acho que estávamos além disso. 

Ouvi meu próprio grito antes de o sentir saindo quando mãos agarraram a minha cintura e me jogaram sob seu ombro. Franzi a testa com raiva ao olhar para ele, mas Zayan não podia vê meu rosto, e eu só podia vê suas costas.

-- Se for me carregar então faça isso direito. -- Resmunguei. 

-- Não enche.

-- Acho mais confortável da outra forma. -- Suspirei. -- Mas não vou reclamar, pelo menos não estou esfolando meus pés nessas pedras. -- Pensei por cinco segundos até finalmente dizer: -- Obrigada.

Ele riu.

-- Não estou fazendo isso pelos seus pés, princesa. Estou fazendo isso pelos meus ouvidos, não aguentava mais você reclamando.

Revirei os olhos em resposta, embora ele não tenha visto. A caminhada não foi demorada. Pelo menos não tanto ao ponto de que o tédio começasse a fazer abrigo. 

Zayan me colocou no chão, e quando me virei para ver aonde tínhamos chegado, algo apitou na minha mente, como se eu pudesse apenas ouvir as peças se encaixando, mas não as enxergasse.

Eu não sabia o que aquilo queria dizer, mas eu encarava uma entrada onde as arvores se contorciam em formato de elipse, onde o lago a seguir era contornado por pequenas cachoeiras. Sete cachoeiras.

Cheserie era cheia de lagos espalhados pela cidade, cristalinos e tão azuis quanto tudo que tinha nela. Mas aquele lugar não, mesmo no escuro da noite se percebia que, embora a água fosse tão limpa como um cristal, ela parecia se recusar a seguir a cor do céu durante o dia, optando por ser devota as folhas das árvores. 

Tinha uma elevação rochosa bem no meio da lagoa, onde a correnteza parecia começar e terminar ali, a água das sete cachoeiras seguiam para lá, e se dispersavam de volta. Era estranho, como se não fizesse sentido. 

-- Aonde estamos, Zayan? -- Perguntei a ele sem tirar os olhos do centro da lagoa.

-- Leiselen. -- Ele disse inabalado, se aproximando mais da água. Ele... Ele estava andando sob as águas? Franzi o cenho ao me aproximar para vê melhor. Não estava não, ele não era jesus. 

Só percebi que eu estava rindo quando Zayan me olhou por cima do ombro, confuso. Parei a risada balançando a cabeça para que ele ignorasse, ele pareceu satisfeito em fazer isso. Revirei os olhos.

Zayan chegou ao centro rochoso por um caminho feito de pedras. Se eu estivesse doida, eu diria que a cada pedra até o centro, a cor dela pulava um tom mais escuro de azul até chegar no cinza escuro, mas apesar de todos os fatores apontarem para isso, eu ainda não estava doida, então decidi ignorar. 

Ele me olhou como se perguntasse o que eu ainda fazia parada aqui. E era uma boa pergunta, eu provavelmente deveria voltar para casa e ir até Ciryss, a esse horário, o  velório já acontecia. 

Um nó se formou na minha garganta ao lembrar disso. Os dois morreram. Então não foi uma doença, o que tornava as coisas mais trágicas, pois teria alguém para culpar. Um acidente? Mas de avião ao pousarem aqui, ou de carro ao dirigirem até suas casas? 

-- No que você está pensando? -- Zayan perguntou, mas não olhei para ele ao responder que não era nada, fixei nas pedras que pareciam flutuar na água, e confiando em algo que desafiava a gravidade, pisei na primeira. 

Não afundou. Ok, ok, ok. 

Soltei a respiração que não tinha percebido está presa. Ok. 

Pisei na segunda. Ainda firme. Ok, eu estava indo bem. Ao longe pude ouvir o suspiro impaciente de Zayan.  Quando se tratava dele, o melhor sempre é ignorar.

Pisei na terceira e então na quarta, já sentindo confiança o suficiente para olhar para a frente ao chegar na quinta. 

Senti meu pé deslizando um pouco, mas me recusei a dar mais atenção do que deveria para isso. Zayan estava a apenas duas pedras de distância, o olhar de zombaria brilhava mais como se me dissesse o quanto a preocupação era ridícula. 

O ofereci um sorriso fechado e irritado ao pisar na sexta pedra, o brilho nos olhos verdes dele se intensificaram no momento em que levei o outro pé para a sétima e ultima pedra. 

Algo estava errado. Eu afundei.

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