29|Desejo sentir algo

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TW: automutilação 

Esse capítulo pode conter gatilho para algumas pessoas por tratar de um tema sensível e meramente explicito. Se não se sente bem, não leia. De certa forma não atrapalhará seu entendimento da história. 

Boa leitura! <3

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''Eu espero que meu ultimo suspiro seja um sinal de alívio'' 

O vento da noite tem soprado pela janela, trazendo para dentro um ar gelado. A luz da lua parece estar indescritivelmente mais forte. Lembro-me daquela noite como se fosse ontem. Éramos apenas nós, aquilo era tudo para mim, mas agora vejo que não me restou nada

Existem vozes na minha cabeça que me lembram cada vez mais sobre o lixo que sou.

Sim, porque eu realmente sou

A cada fração de segundo percebo que não mereço nada.

Sinto muito

Sinto muito porque não queria ser assim. Não queria ser um incômodo para ninguém.

Sinto muito porque eu ainda a amo muito, é difícil deixar ir. A amei desde a infância e não deixarei de amar nunca. Me encolhi quando o vento abre mais as janelas, fazendo-me arrepiar. Percebo que apesar de dizer que sinto muito, não consigo sentir nada. É como se houvesse uma grande muralha em minha volta, ela me mantém longe das coisas boas. Das coisas que mais sinto falta.

Meu único desejo é voltar a sentir algo, mesmo que seja a dor. Meu peito dói, mas é como se não fosse nada porque sei que quem mais amei sofreu ainda mais. Meus olhos vagam pelo cômodo, iluminado apenas por um pequeno abajur ao lado da cama. Observo alguns posters e fotos na parede, tantas coisas que gosto, mas que de certa forma perderam a graça.

Você nunca vai poder ser feliz, tudo que se aproxima quebra.

— Maldita voz — resmunguei, me levantando e indo até a escrivaninha a procura de um copo de água

Você não passa de um hipócrita, igual ao seu pai

É como uma bomba, prestes a explodir

—YAAH! CHEGA! — acabei me exaltando, gritando, sabendo que ninguém iria me ouvir. Acabei derrubando o copo e a jarra d'água, fazendo um pequeno corte da palma da mão. Minha respiração tornou-se acelerada, junto aos meus batimentos cardíacos — eu não aguento mais...para, por favor — rendi-me ao chão, levando as mãos trêmulas à cabeça, desejando acordar e sair desse inferno que se tornou minha vida. As lágrimas passaram a escorrer como jorram de uma fonte, encharcando minha camiseta lentamente. A dor no peito me tortura, mas a voz na minha cabeça sempre volta para me lembrar que não é nada comparado a dor que minha mãe foi submetida, nem a que Sojin sentiu.

Respiro fundo, abrindo os olhos. O chão está completamente molhado cheio de cacos de vidro espalhados por toda parte. O cheiro do sangue que escorre por minha mão me deixa enjoado, mas a dor que sinto pelo ferimento parece-me despertar, faz-me sentir algo e por mais assustador que pareça é melhor que o vazio que venho sentindo.

Os pedaços de vidro reluzem pelo pequeno feixe de luz amarelado, assemelha-se a um cristal, chamando minha atenção. Quando percebo o material já está deslizando pelo meu pulso, rasgando a fina camada de pele, deixando a região ainda mais branquinha pela fricção. O sangue pinta a pele como uma aquarela, a sensação é libertadora. É como se eu pudesse apagar toda a frustração, mesmo que por meros minutos.

Sinto como se alguém estivesse a conduzir o vidro em minhas mãos. Mal faço esforço, a ponta está bem afiada e corta com facilidade. Meus olhos começam a ficar pesados, minha visão um pouco mais embaçada. Inicialmente a sensação era boa, mas agora sinto-me fraco. A pontinha afiada agora parece não só cortar minha pele como também minha alma. Quando noto já não tenho mais forças, tudo escurece.... Não vejo nem sinto mais nada, apenas escuto o som lento de meus batimentos. 

Já não passo mais de uma mente confusa, uma alma perdida e um corpo que grita por ajuda.

Ghost (Yeongyu)Onde histórias criam vida. Descubra agora