First Kill

1.1K 116 36
                                    

Senti uma leve pressão sobre meus pés, o que me atordoou por alguns segundos.

Levantei a cabeça, vendo meu pai colocar meus dois pés na água.

— Espero que não esteja muito quente — ele logo se sentou ao lado, colocando seus pés na piscina de nossa antiga casa.

Nossa casa de campo. Eu passava boa parte do tempo aqui, quando era criança. Eu não gostava de ficar nos prédios cheios de caos e morte que ele gerenciava, e a parte mais humana e piedosa que havia sobrado nele me permitiu que eu ficasse aqui.

Eu virei meu rosto para ele, seus cabelos brancos gentilmente agitados pela brisa gelada. Era uma ótima lembrança.

— Você salvou aquela senhora — ele fechou os olhos, flexionando os dedos dos pés na água.

Nos olhamos por alguns segundos, e ele pegou minha mão entre as dele, com uma calmaria em sua voz.

— Obrigado, filha — ele gentilmente deu dois tapinhas em minhas mãos, soltando logo em seguida.

Retirei os meus pés da água, levantando os joelhos e os abraçando sem olhar para o meu pai.

— Por que está me agradecendo? — engoli em seco, sentindo minha voz falhar. — Está falando de-

— Por ter encerrado quase todo o meu sofrimento — ele se deitou sobre o chão de madeira, sorrindo para as nuvens.

Fechei os olhos com força, evitando ao máximo o contato visual.

Sua mão tocou minha costa, e eu me virei para observá-lo.

Ao me virar, encarei com horror sua aparência pálida, e sua garganta cortada enquanto ele sorria para mim.

Um grito de terror escapou de meus lábios, que me levantei com pressa até ficar em uma distância que julguei ser segura.

— Me perdoe... — sussurrei com lágrimas nos olhos. — Eu te amava pai, me perdoe...

Ele olhou para o céu novamente, sem tirar o sorriso calmo de seu rosto sem vida.

— Eu sei. Deus sabe que sim.

Ele suspirou, se levantando e gesticulando na direção de um corredor, me chamando.

Nenhum músculo do meu corpo parecia estar acordado, e eu fiquei congelada. Congelada de medo.

Ele caminhou na minha direção, estendendo o braço e segurando minha mão, me guiando para dentro.

Adentramos em um corredor escuro com baixa iluminação, contendo nada mais do que quadros com luzes vermelhas e azuis ao redor deles.

— Veja — ele apontou para o primeiro quadro.

Eu abri meus olhos, observando a foto de uma criança.

— Sou eu? — perguntei sem tirar os olhos do quadro.

— É sim — ele sorriu para mim, me mostrando o outro quadro.

Esse estava com luzes azuis ao seu redor, iluminando a foto. Era uma foto nossa, onde andávamos de mãos dadas enquanto eu segurava uma pelúcia de dragão na mão livre.

— Foi a primeira vez que me chamou de pai — apertou minha mão com força, como se tivesse medo que eu o deixasse de repente.

Não fui capaz de proferir uma palavra sequer. Eu estava envergonhada, com medo e... Eu não sei. Mas dói muito.

— Minha única filha... — senti sua respiração se aproximar, mas fechei os olhos para não vê-lo sangrando outra vez.

— Você me libertou da vergonha, e da loucura — pôs uma mão em meu ombro, esfregando o dedão na área tensa. — Você me salvou.

𝐋𝐞𝐭 𝐠𝐨 - 𝐎𝐬𝐚𝐦𝐮 𝐃𝐚𝐳𝐚𝐢Onde histórias criam vida. Descubra agora