Prólogo

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ALFONSO

Helen me deu um filho. E depois eu a matei. Sorte do filho da mãe que aprende as lições da vida quando escapa por pouco de alguma desgraça. Eu invejo esses filhos da mãe que têm sorte.

- Não bebe hoje à noite. Quero que faça outro bebê em mim - minha esposa sussurrou enquanto deslizava a mão por minha perna embaixo da mesa, em torno da qual se reuniam doze dos nossos amigos mais próximos e familiares.

Helen havia escolhido minha churrascaria favorita em Omaha e reservado uma sala de festas para o meu dia especial. Eu nem imaginava, até todo mundo gritar "surpresa".

Amava aquela mulher mais do que podia explicar com palavras.

- E para o aniversariante? - A garçonete morena piscou para mim, segurando a caneta sobre o bloquinho de papel em sua mão.

- Uísque puro. - respondo.

Helen franze a testa.

Seguro a mão dela e a coloco sobre minha ereção, por debaixo da mesa.

- Não vou ter nenhuma dificuldade para atender ao seu pedido.

- Veremos. - A resposta curta dela não transmitia muita confiança.

Meus pais vieram de carro de Denver para me surpreender, mas Anthony, meu filho de dois anos, roubava a cena. A mãe de Helen e eles se revezavam para mimá-lo. Eu não esperava ser pai antes de terminar a faculdade, também não esperava conhecer a mulher sem a qual não podia viver, no momento exato em que eu mais precisei dela.

Ela era estudante de enfermagem no hospital para onde me mandaram no dia em que uma lesão no ligamento cruzado acabou com minha carreira no futebol. Eu a chamava de anjo. Helen insistia em dizer que eram os analgésicos.

- Morgan disse que você vai ser agente dele no profissional. - Meu pai me encara, curioso.

- Morgan inventa muita coisa. Nenhum time com um mínimo de bom senso vai recrutar o Menino Bonito. Ele vai ser professor. Isso mostra que é bunda mole demais para ter uma chance de verdade na NFL.

O jovem quarterback do Cornhusker's olha para mim do outro lado da mesa e ri. Nós dois sabíamos que ele seria um profissional, mas eu não ia inflar seu ego no meu aniversário.

- Cuidado com a boca, Herrera - Helen avisa.

Quando ela me chamou pelo sobrenome, eu me ajeitei na cadeira. Isso sempre anunciava uma punição na sequência, e todos os castigos dela eram aplicados no quarto.

Eu a amava mais do que podia explicar com palavras.

A noite progrediu de um jeito perfeito. Jantar. Amigos. Família. Comida. Bebida. Minha esposa se superou. Ela tornava o dia todo perfeito.

E também me fazia sentir irresponsável por beber. Toda vez que a garçonete punha um copo na minha frente, Helen comprimia os lábios com ar desaprovador.

Deixei passar sem discutir. Antes de morrer, o pai dela bebia muito e era abusivo. Quando nos conhecemos, ela achou que eu não bebia. Na época, isso era verdade. Minha vida era o futebol. Eu tratava meu corpo como um templo. Mas depois da lesão, passei a ter uma vida em que meu corpo não era mais um templo, e beber de vez em quando era o que eu precisava para aliviar a dor dos sonhos perdidos.

Helen acreditava que todo homem que bebia era um alcoólatra abusivo. Eu me encarregava de mostrar que ela estava errada pois, assim, um dia, talvez, ela relaxasse um pouco e bebesse alguma coisa em ocasiões especiais.

- Feliz aniversário, Alfonso. Cuide dos meus bebês. - Sandra, minha sogra, me abraça quando todos se despediam e me davam parabéns pela última vez.

- Isso significa que é hora de dar a chave do carro para sua esposa. - Helen me cutuca com um sorriso brincalhão que eu sabia que não tinha nada de brincadeira.

Sandra aperta minhas bochechas e olha nos meus olhos.

- Acho que ele está bem, querida. Não chega nem perto do que era seu pai, dá um tempo para ele.

Olho para Helen com cara de "eu falei". A mãe dela me amava. Eu era tudo que o pai dela não foi. Helen odiava o fato de Sandra me tratar como se eu não pudesse errar, mas eu adorava isso. O excesso de confiança trouxe um orgulho perigoso.

Depois de acomodar Anthony na cadeirinha de segurança, Helen estende a mão aberta.

- Estou bem. - Abro a porta do lado do motorista.

- Não está. Você bebeu demais.

- Eu sou muito pesado.

- Alfonso.

Sento diante do volante.

- Me chama de Herrera, gata. Gosto de como isso acaba.

- Alfonso, estou falando sério. Nosso filho está no banco de trás.

Ela para entre mim e a porta, me impedindo de fechá-la.

- Quero comemorar meu aniversário com você. Entra, vamos pôr o Anthony na cama.

Ela cruza os braços. Cabelos negros voavam para todos os lados, os olhos azuis pareciam me penetrar.

- Estou. Bem. - afirmo.

Helen dá de ombros.

- Ótimo. Então não banca o machista. E me deixa dirigir.

Um trovão retumbou ao longe, e algumas gotas de chuva começaram a cair do céu escuro.

- Você vai se molhar. - provoco ela.

Ela bufa e se dirige ao outro lado do carro com passos pesados.

- Babaca teimoso - ela resmunga enquanto prendia o cinto de segurança.

- Olha a boca, mamãe.

Dou risada e ligo o motor.

- Vai ter um lugar especial para você no inferno Alfonso Herrera, se matar a gente ou outra pessoa por dirigir bêbado.

Engato a marcha e seguro sua nuca, puxando sua testa de encontro à minha antes de engatar a marcha.

- Você é meu mundo. Eu nunca te faria mal. Te amo mais do que consigo explicar com palavras.

- Que merda, Alfonso... - ela sussurrou. - Que bafo de uísque. Estou implorando. Me deixa dirigir.

Eu me afasto dela e solto o freio. Por mais que amasse minha esposa, também amava ser homem. E um homem forte conhece seus limites e não precisa de ninguém para dizer o que ele pode ou não pode fazer.

xxx

Três dias mais tarde, enterrei minha esposa em um cemitério a dois quarteirões de nossa casa.

Razões & Emoções -Adapt AyA [Finalizada]Onde histórias criam vida. Descubra agora