Capítulo 5

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ANAHÍ

Como uma apaixonada por música, seria natural a audição ser meu sentido mais valorizado. Mas Beethoven continuou compondo e, de certa forma, ouvindo música, muito tempo depois de ter perdido a audição. Vou amar a música para sempre e nunca vou deixar de me encantar pelas vidas que ela salva, mas sei, sem dúvida nenhuma, que o tato é o sentido sem o qual eu não poderia viver.

E sei disso porque passei dois anos da minha vida tentando deixar morrer essa necessidade, essa sensação que só se tem com outro ser humano.

No nível mais básico, humanos precisam de contato físico para seguir florescendo.

— Está disponível hoje à tarde? — A Dra. Hamilton pergunta quando pego um café na cantina do hospital. — Queria que conhecesse uma paciente. Vítima de estupro.

— Se for antes das duas horas, tudo bem. Depois disso, estou no consultório. — Franzo a testa enquanto adoço o café. — Se eu ainda tiver um. O dono do imóvel está tentando me despejar.

Ela guarda o celular no bolso do jaleco e sorri.

— Eu te conheço há quase um ano. Você é capaz de encantar uma cobra. Todo mundo te ama. Por que vai ser despejada? Problemas com o aluguel?

Ponho a tampa no copo descartável e balanço a cabeça.

— Problemas com o barulho. — Faço uma careta em meio ao vapor que escapa pela abertura na tampa do copo. — O dono do imóvel não entendeu bem as características da minha profissão.

— Deve ser um idiota. Você devia contratar um advogado para resolver essa história. Conheço um muito bom.

Dou risada.

— Engraçado... o dono do imóvel é advogado.

— Ah... — Ela bebe um gole de seu café. — Bom, mais uma razão para ter o seu.

— É complicado. Estou dando aulas de violão para o filho dele. O garoto é incrível. Mostro alguma coisa uma vez, ele entende e constrói outra a partir dela sem minha orientação. É um dom, ele tem um dom verdadeiro. E eu gosto dele, e acho que ele gosta de mim.

— O pai te contratou para dar aula de violão para o filho dele, mas vai te despejar?

Balanço a cabeça quando entramos no elevador.

— Eu me ofereci para dar as aulas de graça... mais ou menos. O Gostoso de Terno não ficou muito satisfeito com isso.

— Gostoso de Terno? — A Dra. Hamilton ri.

Bebo um gole do café e dou de ombros.

— É. Gostoso de Terno. Alto, sério e bonito. A fantasia de toda mulher. Todos os itens. Mas os gostosos sempre são canalhas ou gays.

— Talvez ele seja gay. — ela comenta.

A porta do elevador abre no meu andar e começo a sair.

— Os olhos dele passeiam demais. Ele não é gay, é só canalha mesmo.

— Entendi. Ei...

Viro quando ela aperta o botão para manter a porta do elevador aberta.

— Recebeu o convite para a degustação de vinho na minha casa hoje à noite?

— Recebi. Desculpa, esqueci de responder. — explico.

— Tudo bem. Apareça, se puder.

— Pode deixar, obrigada. — respondo enquanto a porta do elevador se fecha e eu sigo meu caminho.

Razões & Emoções -Adapt AyA [Finalizada]Onde histórias criam vida. Descubra agora