Capítulo 2

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ALFONSO

A parte mais difícil de tirar a vida de outra pessoa é saber que nada pode consertar o que foi feito.

Nem um milhão de "desculpas".

Nem a cola mais forte.

Nem uma infinidade de boas ações.

Na maior parte dos dias, consigo me convencer de que meu filho é um presente e eu sou digno de criá-lo. Mas em dias de total clareza, vejo que tê-lo e amá-lo é meu maior castigo. Quando ele tiver idade suficiente para entender por completo o que aconteceu com sua mãe, vai me odiar, quase tanto quanto eu me odeio.

— Sou o único garoto que come essas coisas esquisitas no almoço. — Anthony bebe um gole da vitamina sem lactose ao lado da bancada, enquanto preparo seu almoço livre de alergênicos.

— Gastei muito dinheiro para fazer todos os testes de alergia. Sem mencionar as intermináveis horas de pesquisa. Seu rendimento na escola melhorou, e nosso relacionamento também. Portanto, não ligo se você é o único garoto que almoça coisas saudáveis.

— Os meninos debocham de mim.

— Meninos são idiotas.

— Eu sou um menino.

— Você é a exceção. Por isso eles debocham de você.

— Eles têm inveja de mim porque não sou idiota?

— Exatamente. — Coloco uma bolsa de gelo na lancheira com o almoço.

Ele revira os olhos.

O garoto é esperto demais para o próprio bem.

— Sua professora de Ciências mandou um e-mail. Ela disse que você não entregou o trabalho de pesquisa.

Anthony veste o casaco de inverno e pega a lancheira de cima da bancada.

Isso é idiota.

— Por quê? — Fecho a pasta executiva e verifico se as luzes estão apagadas antes de sairmos de casa para começar mais uma semana.

— Os livros são ultrapassados. Tudo que eles ensinam é ultrapassado. Temos uma lista de fontes obrigatórias e não podemos usar informação de fontes externas. Basicamente, ela quer que eu escreva sobre ciência incorreta citando fontes de pesquisa antiquadas. É um desperdício do meu tempo.

Gesticulo para que ele saia de casa e vá para o carro.

— Você tem doze anos. Não trabalha. Não tem grandes responsabilidades. Tem todo o tempo do mundo. Já falei um milhão de vezes, precisa pensar na escola como se fosse seu emprego.

Ele prende o cinto de segurança enquanto tiro o carro da garagem

— Legal. Eu tenho tempo. Mas não vou fazer o trabalho porque ele é um insulto à minha inteligência.

Tenho um filho autista leve. Os médicos parecem não saber nada sobre a epidemia que devorou essa geração de crianças. Não existe um jeito claro de fazer o diagnóstico. Ou uma vacina que impeça o quadro. Ou um comprimido para mascarar os sintomas.

Anthony é viciado em informação. É raro vê-lo sem os fones enfiados nas orelhas, ouvindo podcasts sobre tudo, de arte moderna a teoria da evolução. Ele tem dificuldades para controlar as emoções, suas interações sociais são um pouco ríspidas e ele tem um senso de humor estranho, o que é interessante, porque ele raramente entende o humor de outras pessoas. Fora isso, ele é um menino de doze anos bem "normal" e ajustado.

— Faz o jogo, Anthony.

— É um jogo idiota. — Ele enfia os fones de ouvido, encerrando nossa conversa.

Razões & Emoções -Adapt AyA [Finalizada]Onde histórias criam vida. Descubra agora