1 - Não era um sonho

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Me levanto naquela manhã, preso na nostalgia do que um dia fora meu passado e também meu futuro, sentindo meu âmago se contorcer, regozijando-me por dentro por novamente ter acordado naquele mundo que não era de fato o meu mundo.
Fui o primeiro da casa a despertar, caminho com os pés nus e doloridos até a porta da casa, presa apenas por uma cordinha enroscada em uma lasca de ferro, como um prego, mas não é um prego. Do lado de fora o frio é criterioso e expande uma aura na atmosfera gelada, pequemos flocos de neve se desprende do céu recaindo sobre as gramíneas e arvores, há cadeias de montanhas rochosas e também cheia de cores e água, a vista é de encher os olhos. Bjorn toca meu ombro me fazendo pular assustado, e diz algo que talvez seja “bom dia”, repito suas palavras como se tivesse propriedade na fala, guardando-a na memoria, e ele passa por mim seguindo até um morro onde desceu e sumiu entre as pedras e moitas, tentei espiar sem sair do lugar. Do lado de dentro todos estavam despertando, em seguida Bjorn retornou com um balde feito de madeira e ferro cheio d'agua e uma vasilhame com água também, no qual me ofertou para que eu molhasse as mãos e lavasse o rosto, passou ofertado a água para todos, me sentei por longos minutos diante a soleira da porta, observando o dia clarear por completo entre a bruma esbranquiçada da neblina que tomava conta do local, havia um cercado e ovelhas um pouco ao longe, e animais soltos como cabritos, coelhos ou gansos não só na propriedade de Bjorn como em outras residências mais distantes. Alguns moradores despertavam em outras casas abrindo a porta das mesmas liberando seus gansos e seus porcos que de certo passara a noite do lado de dentro. Priam se sentou ao meu lado, confeccionado algo nas mãos com um pedaço de madeira arame e pelagem.

— Gosto da vista local — murmurou.

— É linda — retorqui

Ela deu um sorriso, parecia focada, um mocinho passou na rua de terra batida, este um jovem homem com roupa de linho e couro, cabelos médios castanhos e olhos claros como o dia, cumprimentou Priam com um certo olhar inidentificável, este de gente apaixonada, e ela retribuiu envergonhada e acanhadamente o mesmo olhar arqueando um risinho que se espreitava nos cantos dos lábios. Parte de minha expressão também foi tomada por um pequeno riso malicioso sacando aquela harmônica afeição na atmosfera, embora ainda fosse estranho eu particularmente amava olhares apaixonados em qualquer lugar que eu estivesse. Antes que eu a interrogasse ela me ofertou o haste com pelos.

— Aqui está, para limpar os dentes... O povo daqui são bem limpos, tomam banho com mais frequência do que eu já vi, mas alguns não tem muito hábitos de higiene, principalmente os que nunca foram ao Oeste. Povos do Oeste tem o costume de usar limpadores como esse, outros fazem bochecho com salvia ou... urina o que é nojento, mas eu não gosto disso, você pode usar carvão, sal e seiva para ficar com os dentes limpos. Os seus são bem lindos para quere-los podres — Ela me explicou — Eles podem parecer selvagens, mas os vejo de forma diferente do que dizem na Inglaterra, garanto que se você tivesse rasgado os céus do Oeste você não estaria bem... de certo queimando nas fogueiras. — Deu os ombros.

— Obrigado — murmurei fazendo uma careta sobre a precariedade.

— Vamos comer, vem...

Adentrei, me sentei diante a mesa pequena de madeira, havia pães, carnes e frutas, eu não queria comer aquilo, mas o que comeria então? Cedi ou ficaria com fome, pedaços de pães secos e água para ajudar a descer, sendo parcialmente grato por não ser alimentos pré-processados como os que como nós últimos anos. Priam depois disso me mostrou outras tarefas que faziam ali, e também me ensinou a pronunciar algumas palavras de cumprimento: oi, olá, bom dia, boa noite... mas antes que eu as ajudasse a fazer algo Bjorn me chamara, Priam traduziu que devíamos ir até o porto de Valkahein, pois hoje a barca levaria as almas dos guerreiros para Valhalla
Valhala? Me pergunto, ótimo estou preso no século onde os bárbaros e brutos povos vikings vivem. Antes de sair com Bjorn ganhei reajustes nas minhas vestimentas novamente, e também sapatos de couro animal, sem curvas das laterais dos pés da qual não os tornavam dos melhores, me despedi agradecendo com a fala do modo como Priam me ensinara, eu não sabia se voltaria, mas deixei claro que gostei dos presentes. Agora eu estava vestido aos trapos como todos, uma camisa de mangas de linho cru e por cima da mesma um colete de tecidos em retalhos com costuras visíveis, e uma calça, está também reforçada com tecidos aos retalhos nos joelhos, além de botas não muito confortáveis. Bjorn era um homem simpático, sempre cumprimentando os homens e as mulheres local, alguns recebiam abraços de urso. Haviam pessoas dormindo encostados em muretas de pedras por onde crescia samambaias, ou usando seus escudos redondos e peles como travesseiros, e outros dormiam pesado em cima de montes de fardo de fenos no chão ou nas carroças sem cavalos, entorno de fogueiras já apagadas.
Uma multidão se formava no meio do vilarejo, onde havia fogueiras grandes com corpos empilhados dentro de barcos no cais de frente ao mar, estes os corpos daquelas pessoas que morreram na batalha ou na noite passada. Notei Einar em meio a multidão, agora era possível vê-lo com mais clareza, ele tinha uma aparecia robusta, nada comum ou convencional, era um pouco mais alto que s homens que já vira e parecia-se firme como um grande guerreiro. Me aproximei dele cuidadosamente, ele observava os corpos, nem notou minha presença.

— Bom dia —murmurei em seu idioma

Sua pele estava suando, pequenas gotículas brotavam de seus poros sujos de fuligem de carvão, mas não estava um dia tão quente, nem sequer havia fogueira ali para que suasse daquela forma. Ele me olhou atravessado por cima dos ombros cobertos por pele de urso pardo, e me ignorou voltando o olhar os corpos mais a frente após passar as costas das mãos deslizando sob o suor da pele de sua testa, Einar tinha a lateral esquerda da cabeça com tranças pequenas rente ao couro cabeludo, além de argolas pequenas que pareciam pesadas prendendo mechas de seus cabelos, em seu pescoço taludo havia o termino de tatuagem com traços tribais da cabeça de um dragão ou uma serpente, eu não sei, mas que descia para dentro de sua roupa, observo com precisão seus cabelos que são longos e ondulados e bem cuidados, estão trançados não só na lateral, mas topo da cabeça e grande maioria solto com pingentes e emaranhados de fios embolados era intrigantemente selvagem. Nunca achei bonito homens cabeludos, mas aqui eles eram em grande maioria, e claro que não eram cabelos de dar inveja, ou eram, mas eram bem másculos, por um instante me dei conta da minha falta de cabelo e pensei em como eles me vira menos homem por isso? Eu não sei talvez, não, lógico que havia alguns rapazes com cabelos raspados, mas bem pouco.
Novamente ele me encara e desvio o olhar analisando a multidão que anseia esperando algo, ou alguém. Notei Ana, ao lado de Nina, estas vestindo roupas diferentes da noite anterior pelo visto elas também ganharam novas vestimentas, Nina ainda tinha olhares perdidos, como se somente seu corpo estivesse ali, mas não sua mente, não sua alma. Os poucos fios curtos de seus cabelos foram trançados junto de cordinhas de palha, assim como os fios louros e longos dos cabelos de Ana que estavam presos com tranças nas laterais, elas estavam parecidas com aqueles povos.

— Seu amigo tem a pele diferente — disse Einar o indicando com o queixo.

Eu não havia notado o corpo de Wes em uma das três fogueiras com pilhas de corpo.

— Como de alguns povos do Oeste — acrescentou me encarou apertando os lábios

— Não sou do Oeste — retorqui a alfinetada apertando os dentes — Não desse Oeste. E ele não é o único com a pele "diferente"

Indiquei uma mocinha, essa certamente era uma Trälar, já que suas roupas eram simplórias e segurava uma pilha de tecidos em mãos. Deve ser vítima do tráfico humano que rolava entre aqueles povos.

Tecnicamente eu era do Oeste, eu sou nascido e criado na Inglaterra, e caso estivéssemos na antiga Escandinávia, sim, eu sou do Oeste, mas não daquele Oeste, ele me olhou estranhamente. Cornetas escoaram aos ares, e o homem cuja ontem estava sentado em uma cadeira ornamentada no grande salão atava na beira do cais perto das barcas, ele acendeu uma tocha e proferiu palavras, enquanto todos estavam em silêncio o observando para o grande evento.

— O Rei Olaf quer que você e seus amigos ascendam as fogueiras. — Resmungou Einar em escárnio após cuspir no chão.

Einar - Amar, Sangrar E MatarOnde histórias criam vida. Descubra agora