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🚨Tópico sensível🚨

*Para melhor experiência, ouçam Cardigan-Taylor Swift e Fine Line- Harry Styles*

Estou em uma fase da terapia onde começamos a arrancar alguns curativos pra poder ver o que tem em baixo. Eu soube que hoje vamos voltar ao meu passado assim que entrei no consultório e a Ro tá sentada no sofá, só ficamos aqui quando é algo que eu tenho muita dificuldade pra contar.

Ela sempre quer me deixar a vontade. O mais a vontade possível.

Sei que todo esse processo é necessário, que eu estar sendo desmontada é essencial pra que eu fique melhor, pra que tenha paz e consiga me livrar de traumas... e claro: pra que eu aprenda a compartilhar mais meus sentimentos e problemas.

— Ju mas e seus pais... me conta. Onde eles estão? — ela já me começou com essa.

— No Mato Grosso, provavelmente vivendo a vida deles Ro — suspirei.

— Julia mas qual exatamente o motivo de você não ter mais contato com eles? Quer me contar ou ainda não se sente pronta? — ela me pergunta assim que percebe o quanto eu evito falar sobre eles.

— Isso vai surgir uma hora ou outra ne, então vamos lá. Eu venho de uma família muito rica Ro, eu cresci em um lar cheio de bens materiais mas sem carinho e amor. Meus pais sempre pensaram que se me enchessem de bonecas, celular no ano, roupas caras, brinquedos caros seria o suficiente.

Sabe aquelas crianças que cresceram sem ouvir dos seus pais um "eu te amo", "bom trabalho filha", "você é incrível", "parabéns pelo seu esforço"... eu sou uma dessas. Tudo o que eu sempre fiz foi o quase, o quase bom, quase chegou lá, poderia ter sido melhor e isso talvez tenha contribuído pra que nós nos afastássemos conforme eu ia crescendo.

Eu sempre fui precoce, a primeira a beijar do meu grupinho de amigas, a primeira a menstruar, a primeira a namorar, a primeira a transar, a primeira a tomar o primeiro porre... e eu não tinha na época alguém que pudesse me dizer o que era certo ou errado, eu só tinha eu. Eu só tinha a minha própria confiança de que estava fazendo o certo, não tinha conselhos, não tinha defesa, nada... só eu.

Nunca tive muitos amigos já que eu sempre vivia me doando por todos, ajudava todo mundo e quando eu estava lá no fundo do poço quem me tirava de lá? Ninguém... sempre estive sozinha a minha vida toda. Alguns dos amigos que tive foram por puro interesse em algo que eu tinha a oferecer... e lá estava eu mais uma vez sozinha.

Quando eu tinha uma certa idade, já na minha adolescência por volta dos 17 anos eu descobri uma traição do meu pai, isso me matou por dentro. Me matou de todas as maneiras, de todas as formas que eu poderia ser quebrada.

A partir daí nossa relação que já era ruim se tornou ainda pior e eu vendo minha mãe aceitar tudo calada me dilacerou. Eu não tinha ninguém pra conversar, eu não tinha ninguém pra poder contar os meus segredos, então eu sempre engolia tudo pra mim, guardava em alguma parte do meu coração totalmente quebrado.

Eu decidi então que tentaria medicina, viajei o país todo fazendo vestibulares sem receber o apoio dos meus pais, somente contando com o dinheiro deles. Fui aprovada na UFRJ e me formei com mérito, nem pra minha formatura eles vieram... isso não me deixou abalar já que eu estava acostumada a caminhar sozinha.

A decepção pra eles veio também quando eu me envolvi com meu ex e aconteceu tudo aquilo comigo. Minha mãe sempre me culpou e meu pai... bem, disse que se talvez eu tivesse ficado lá não teria acontecido nada, que eu ainda era uma menina boba pra viver nesse mundo sozinha.

Minha Cura | Gabriel Barbosa Onde histórias criam vida. Descubra agora