Capítulo 1

93 8 10
                                    

Fazia um sol escaldante, estávamos em pleno verão e o sol não perdoava aqueles  que se arriscavam a sair de suas casas – como eu - o que tornava minha corrida diária ainda mais exaustiva. 

Parando próxima a uma das casas da minha rua, com um grande quintal de grama bem aparada e uma enorme árvore na frente, que proporcionava a sombra refrescante. Tirei minha garrafa térmica do bolso lateral da mochila, bebi um pouco e virei na cabeça, deixando que escorresse pelo cabelo e molhasse o meu rosto. Eu deveria estar um desastre, a roupa preta de ginastica que eu teimava em vestir enquanto corria estava já toda úmida, grudando em meu corpo, os tênis novos, por felicidade do destino, ainda estavam inteiros sem nem uma sujeirinha, fazendo com que elesreluzissem e de longe pudesse serem vistos. 

Eu estava retomando minha caminhada, tentando encontrar um ritmo agradável quando ouvi o Seu Manuel da casa ao lado me cumprimentando.

 -Como vai Stela? Correndo com esse calor menina? Nem se eu estivesse na minha melhor forma na juventude me arriscaria a isso. – Disse abrindo um sorriso genuíno enquanto vinha em minha direção.

 -Bom dia, Seu Manuel. Como tem passado?

 - Vou bem sim, minha coluna ainda me dói um bocado, sabe? Mas esta melhorando, a Silvia tem esperanças de que esse novo chá que ela comprou resolva um pouco os incômodos.

 Seu Manuel era um senhor com seus mais de 80 anos, eu imaginava, ele tinha uma voz rouca, mas muito amistosa, todos no bairro gostavam dele e era o mais antigo morador, conhecia a história de cada casa construída, cada família que ali viveu e ainda vive. Uma vez, enquanto ainda era criança lembro-me dele sentado na varanda de minha casa dialogando sobre como conheceu sua esposa, foi ela quem insistiu para que morassem naquela região.

 -Espero que o senhor se recupere logo, bem que eu gostaria de poder ajuda-lo em alguma coisa.

 -Ora Stela, uma jovem como você não deveria se preocupar com um velho como eu, não faço nada, se nem com essas dores eu puder lidar - Ele estendia os antebraços para cima, ainda segurando a bengala de madeira que sempre o acompanhava. – Seu avôme dizia que aquele de nós dois que estivesse mais pleno na velhice pagaria uma rodada de cerveja para o outro.

 Um sorriso abriu em seu rosto, com o olhar disperso no passado, provavelmente lembrando-se da velha amizade entre ele e meu avô Antônio. Eram inseparáveis, só que infelizmente meu avô veio a falecer cinco anos atrás, deixando seu fiel amigo com as boas lembranças.

-Ele gostava muito de você, seu Manuel – Segurei sua mão, consternada com ador que sentia, mesmo não estando visível, eu sabia como era isso, era a mesma dor que eu e a minha família vivíamos – Tenho certeza que ele pagaria muitas cervejas para o senhor. 

 Abrindo um sorriso amistoso, ele apertou a minha mão junto a sua. 

-Disso eu também tenho certeza, minha jovem. Agora não quero mais lhe tomar o tempo com assuntos do passado, você ainda está a alguns bons metros da sua casa, tente evitar o sol. Amanhã se a ver novamente fazendo isso com este calor contarei a sua mãe. Entendidos?

 Sua cara tentava expressar uma autoridade fria que eu sabia que ele não tinha, sempre uma pessoa muito gentil, seu Manuel não era de encrencas, mas eu sabia que a ameaça era verdadeira, ele gostava muito de mim e tentava cuidar, igual ao meu avô fazia. Sorrindo pelo presente que a vida havia me dado assenti para ele.

 - Não se preocupe comigo seu Manuel, ficarei bem. 

 Despedi-me do meu vizinho enquanto ele ficava na sombra me assistindo, voltei a correr, primeiro lentamente depois ganhando o ritmo e aumentando a velocidade. Eu adorava fazer isso, correr me dava uma sensação de liberdade e me mantinha em forma, como jogadora de basquete do time da escola era meu dever manter o mesmo rendimento, ainda que estando de férias. Fiquei naquele ritmo acelerado até quase o portão de casa, conforme ia me aproximando comecei uma leve caminhada, não queria que minha família visse o que eu fazia sob um sol escaldante desse em pleno sábado às dez da manhã. Abri a porta de casa e o cheiro das torradas chegou até mim. Era delicioso e meu estomago concordou com isso roncando alto.

Reino AmaldiçoadoOnde histórias criam vida. Descubra agora