Reino Amaldiçoado

Capítulo 8

O sol atingia o meu rosto, quase me cegando, espreguicei na cama e senti uma textura diferente do que estava acostumada, abri os olhos e os acontecimentos de ontem invadiram com tudo a minha mente. 

 Despertando como podia, desci as escadas ouvindo vozes lá de baixo, Cirino já estava na sala conversando alegremente com o casal e minha tentativa de não ser notada foi por agua abaixo assim que me viu abriu um sorriso deslumbrante. 

-Stela! Como passou a noite, viajante? Espero que tenham cuidado muito bem de você.

 -Maravilhosamente, a senhora Monte faz um ensopado de romã delicioso. –Eu disse vendo Seline se envergonhar novamente pelo elogio.

 -Fico feliz que esteja gostando. Agora venha aqui, temos alguns assuntos a tratar –Ele apontou para o sofá de pedra ao seu lado, notei vagamente que Cirino evitava se sentar ali – Kael me disse que você teve alguns probleminhas com os talheres?

 Assenti para ele enrubescendo toda igual Seline quando era elogiada pela sopa, só que no meu caso não era por nenhum elogio. 

 -Isso é muito interessante, nenhum jovem antes dos vinte apresenta uma força dessas. Os talheres que usamos são confeccionados com um dos materiais mais resistentes que temos aqui, não é fácil quebra-lo, principalmente estando inconscientedisso. – Cirino levou a boca uma xicara fumegando que havia sido posta na frente dele –Vou falar para Ícaro leva-la junto para o treinamento, não sabemosainda se isso é um sinal, eles me disseram que você sofreu um acidente, pode ser realmente que seja apenas um efeito disso... ou não. 

 -O senhor não acredita muito nessa teoria, não é? De que o meu acidente explique o descontrole de força. 

-Sinceramente falando? Não, não acredito nisso. Conheço cada caso de nossos jovens e isso não parece um caso isolado, de descontrole ou coisa parecida.

 -Mas e a marca? Seline me contou que após a transição uma marca é deixada no pescoço ou no pulso, eu não tenho nenhuma delas.

 -Existem muitas perguntas sem respostas, para além do que algum dia havíamos pensado ser possíveis. O fato é: você já passou? De qualquer forma acredito que seja uma escolhida por ela e como não podemos afirmar se essa alteração foi decorrência do acidente, iremos iniciar seu treinamento, nos garantirmos em todos os sentidos – eu gostaria de sentir alguma coisa com relação a isso, e mesmo essa vontade não era capaz de me fazer sair do estado "informação demais" de qual eu andava vivendo.

 -Oh não! – A senhora Monte caiu aturdida no sofá ao meu lado, tirando momentaneamente do meu transe, com o olhar vago e as mãos ao rosto, Kael se ajoelhou ao seu lado tentando tranquiliza-la. – De novo não!

 Lágrimas caiam dos seus olhos e eu sentia o leve tremor que passava pelo seu corpo, Kael também parecia aflito, mas demostrava mais confiança para que pudesse sustentar a esposa.Se levantando Cirino indicou a porta com a cabeça para mim, forcei meus membros a se mexerem e caminhamos juntos para fora, dando privacidade ao casal desolado. Eu sentia o pânico se aproximando de mim, as mãos suando, a perca de foco, tudo em mim mudava, muito rápido, a presença daquela família ontem tornou suportável, agora longe deles e de volta a uma realidade que me custava muito a acreditar, o desespero se apoderava de mim. Entre tantas coisas vividas, até mesmo o acidente nada, absolutamente nada, faria com que eu quisesse mudar algo como queria neste momento. O desconhecido nos leva a navegar em água impensáveis, somos lançados ao escuro, não sabemos onde pisamos ou para onde estamos indo.

 Isso me lembrou muito de uma palestra que minha mãe insistiu que fosse com ela, sobre resiliência, na época eu não fazia ideia nem do que significava isso, agora mais do que nunca eu precisava disso. Aprender com a vida, mudar com ela.Um dia de cada vez.O mantra que eu deveria adotar para tudo, fácil de falar, difícil de fazer.