Brisa Ribeiro
Nascida e criada em Mandacaru, no interior do Maranhão, Brisa é uma mulher forte, decidida e generosa, com quase nenhum traço de competitividade. Não pensa duas vezes antes de se sacrificar por aqueles que ama, principalmente seu filho, Tonho. Afrontosa e destemida, defende seus valores com afinco, mas é incapaz de revidar na mesma moeda no fim. Alegre, leva a vida como se flutuasse a favor do vento, aproveitando as oportunidades que brotam no caminho; espontânea, traz sua leveza ao ambiente que preenche com sua presença, quase magnética. Tem sempre fé que tudo vai dar certo, na hora que tiver que dar. Inteligente e criativa, tem a arte em si e faz do trabalho duro para dar conta das contingências da vida uma obra artística. Seu canto dita o ritmo, sua dança coloca os sentimentos em movimento. É assim que dá sentido a sua vida.
Órfã, não conheceu pai e mãe e ignora a origem de sua família. Carrega no fundo da alma a carência de uma família de sangue. Desde pequena trava uma guerra interna contra a falta de um lugar só seu no mundo, no qual pudesse sentir-se pertencer. Esse é seu ponto de desequilíbrio, a fraqueza que muitas vezes a impulsiona contra seus desejos e sonhos. Criada em uma pequena comunidade simples e de gente trabalhadora, tem na madrinha, Creuza, que a criou, uma das poucas referência de família. Além dela, Tininha, sua confidente. Muito mais que uma amiga, muito além de uma irmã: almas cúmplices. Embora muito querida e amada por todos a sua volta, que se encantam com seu jeito simples de fazer muito do pouco que a vida lhe deu, busca criar raízes em um lar que ainda não achou como seu.
Crescendo livre pela pequena comunidade que a nutriu e protegeu quando não tinha mais ninguém, apaixonou-se na adolescência por Ari, o filho mimado da principal comerciante local, Núbia. Na sogra encontrou uma mulher ambiciosa e deslumbrada, que sempre fez questão de lembrá-la que ela não é ninguém. Sem origem e sem futuro.
Ainda muito jovem, Brisa engravidou de seu único filho, Antônio, fruto de seu relacionamento com Ari. Após o nascimento da criança, o namoro virou um noivado sempre a se realizar logo. A vinda de Tonho foi inesperada, mas abriu o caminho que tanto buscara para delimitar o seu lugar no mundo. Um vínculo de sangue, uma continuidade de si. O que não tinha antes dela, poderia ser criado dali em diante. O fio de uma linhagem que começa nela. O laço indissolúvel de mãe e filho trouxe também laços indesatáveis com aqueles poucos que a fazem se sentir menos do que é, fora do lugar que, apesar de tudo, sempre foi seu.
Deixou o sonho de ser cantora e dançarina para algum dia, se possível. Trabalhando como lavadeira e costureira, tece, dia após dia, a esperança de construir um lar com seu filho e seu futuro marido. Acostumada com uma vida simples e integrada aos ciclos da natureza, Brisa nunca teve ambição por riquezas materiais. Não pensava em ir muito longe dali na busca por seu lugar no mundo. Aliás, conhecia muito pouco do que estava fora das fronteiras de sua comunidade. Com o grupo de dança do Boi e Tambor de crioula, teve a oportunidade de fazer pequenas turnês por cidades vizinhas e pela capital. Poderia ter ido mais longe, os convites não faltaram diante de seus talentos. Mas a maternidade e os planos de casar em breve restringiram o alcance dos seus sonhos. Era preciso ficar e trabalhar, enquanto Ari terminava seu mestrado em arquitetura em São Luis. Embora muito dedicado aos estudos, sempre incentivados pela mãe, Ari evitava a todo custo colocar a mão na massa. Trabalhar nunca foi uma opção e alguém precisava sustentar a casa, agora com uma criança. E assim Brisa assumiu inteiramente a tarefa de prover o lar que pensava estar criando para si e para os seus.
De pele negra reluzente e cabelos longos esvoaçantes que parecem acompanhar os ventos sobre as águas brilhantes do rio Preguiças, Brisa tem uma beleza natural singular, como quem não precisa fazer esforço para ser bela e nem tem esse objetivo. Sua vaidade é o curso de sua natureza particular. As curvas de seu corpo se integram à paisagem ao seu redor. Parece sempre mais alta do que é pela força que tem em si.
Embora não tenha seguido nos estudos após se formar no ensino básico, Brisa tem a sabedoria rara da vivência concreta, mesmo tão jovem. Como a criança que precisou amadurecer muito antes de seu tempo por não ter quem a vigiasse ao dar os primeiros passos, Brisa aprendeu de tudo um pouco - ou muito. É paixonada pela cultura do seu recanto no mundo e sabe de cor as tradições e lutas de seu povo. Com fé inabalável, vai levando no próprio corpo as histórias e memórias do Maranhão.
Oto Rivabianchi Medeiros LoboO nome imponente e distintivo apresenta uma existência ambígua e contrastante. Oto é a personificação do urbano, acostumado à tecnologia e à praticidade, mas com a energia do nômade sem residência fixa, sem apego, sem planejamento em longo prazo. É aquele que não quer ser visto, muito menos notado.
Nascido no Rio de Janeiro em uma família da alta sociedade presa ao orgulho da nobreza italiana dos antepassados, Oto gostaria de apagar os laços familiares, se pudesse. Sua mãe, Martina Rivabianchi, é filha de italianos e veio para o Brasil na juventude quando o pai estabeleceu parcerias comerciais com empresas brasileiras. Com pouco apreço ao país em que sua família fez fortuna, sempre esteve mais preocupada em retomar os contatos e a boa vida, sem agenda e obrigações, no país de origem.
O pai de Oto, Atílio Medeiros Lobo, é um renomado engenheiro, austero e autoritário, que nunca pensou em dedicar tempo de sua vida a um filho. E, de fato, nunca o fez. Mais valia dedicar esse tempo à administração dos negócios da família. Ter a esposa em outro país e o filho à distância nunca foi um problema, mas uma sorte.A vida como um estranho dentro da própria casa fez com que Oto fosse um jovem sem apego à vida familiar, com poucos amigos e muitos colegas passageiros. Passava o tempo se dedicando, sozinho, aos seus assuntos de interesse e sonhando com o dia em que estaria longe dali. Apaixonado por computadores e tecnologia, Oto se tornou um prodígio em programação. Autoditata, era habilidoso, acima da média, na manipulação de redes e na criação de programas. Conseguia facilmente burlar qualquer sistema profissional de segurança cibernética. Quebrava protocolos de segurança por diversão. Em uma das aventuras, foi pego, processado e fichado. Seu pai foi bem claro: não queria um filho criminoso.
Decidiu formalizar seu conhecimento e escolheu uma faculdade bem longe de qualquer conhecido que o lembrasse de sua origem. Não daria vergonha, nem orgulho, a seus pais. Foi assim que desembarcou em Portugal, decidido a recomeçar a vida sem nenhum laço duradouro, apenas pessoas passageiras em seu caminho. Na universidade, conheceu André Moretti, um empresário, também brasileiro, e juntos decidiram abrir uma empresa de tecnologia da informação e segurança cibernética, que posteriormente se especializaria no desenvolvimento de realidade virtual. Moretti sempre teve mais tino e experiência para os negócios e comanda a administração da empresa. Oto é o gênio responsável pela parte técnica da concepção e execução dos projetos.
Com nenhum apreço pelas burocracias, rotinas e normas a serem cumpridas, Oto pouco se interessa pelas parcerias e negociações, que ficam por conta de Moretti. Vivendo em trocas de flat, cada dia em um canto diferente, pode sumir por semanas sem dar satisfação de seu paradeiro, costume que irrita Moretti e cria, aos poucos, uma rivalidade não assumida. Embora já seja muito rico, Moretti sabe que sem Oto a empresa não teria o diferencial que garante seu sucesso, mas não se conforma com a falta de compromisso dele com o crescimento do negócio que é a razão de sua vida e sua maior ambição.Moreno, olhos escuros e profundos, forte como um atleta e com a marra sustentada em 1,85 metros de altura, Oto tem uma beleza sedutora. Dedica-se a manter uma aparência de quem não se importa em cuidar dela. A barba sempre por fazer se tornou sua característica mais marcante. Anda sempre com roupas escuras e sóbrias, camuflando-se entre as paisagens de concreto da cidade. Por onde passa, arranca suspiros e olhares desejosos das mulheres, assim como expressões de desagrado enciumado de outros homens. Tem facilidade para arrajar namoradas. Muitas. Por pouco tempo, faz questão.
E, assim, Oto vai se esgueirando pelo espaço se fazendo desencontrado. Sem se apegar a nada, nem ninguém ou lugar algum. Pelas redes pode estar presente em qualquer lugar do mundo, mas sem deixar rastro. Queria ser sozinho e viver para si. Jamais se submeteria às vontades de alguém. Até quando não puder mais controlar o próprio destino.
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Dois mundos
FanfictionUma órfã de vida simples em Mandacaru, no interior do Maranhão. Criada em meio à natureza e imersa nas tradições do povo que a acolheu. Cantora e dançarina, mas também lavadeira, passadeira, costureira e o que mais fosse necessário na rotina de muit...