Ouça-me

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Brisa entrou primeiro. 

Caminhou para dentro do quarto com passos vagarosos que contrastavam com seus batimentos acelerados. Parou de pé perto da mesa. Virou-se com um ar reticente no olhar, acompanhando Oto entrar e fechar a porta. Ele estava perto dela, mas ainda parecia tão distante. Distante o suficiente para que ela ainda não pudesse abraçá-lo, embora essa fosse sua maior vontade naquele momento. 

Entreolharam-se em silêncio por um interminável instante. Ambos tentavam, sem notar, manter uma postura de trégua sem se mostrar vulnerável. 

- Não quer sentar? - Oto perguntou, já puxando uma cadeira e deixando perto dela.

Brisa assentiu com a cabeça.

Oto puxou outra cadeira e se sentou de frente para ela.

Ele olhava para o chão como se organizasse com cuidado o que queria dizer e então voltava a olhar para ela. Brisa tinha um olhar estranhamente curioso sobre ele. Notava um semblante cansado em seu rosto, mas tinha uma beleza diferente. Talvez fosse a beleza que a saudade projetava na tão esperada presença dele a sua frente. Tentava criar coragem para iniciar a conversa, mas ele conseguiu se antecipar a ela.

- Eu não consegui vir antes. - sua voz quebrou suavemente o silêncio. - Precisei desse tempo.

- Para mim pareceu uma eternidade. Achei até que... - suspirou, sem conseguir completar.

Encarou-o com ternura. Ela alisava os próprios dedos, tentando controlar a aflição.

- O que tá acontecendo com a gente?

- Não sei. É o que a gente vai saber agora... - ele respondeu reticente.

- Você saiu de casa daquele jeito, sem dizer nada.

- Para mim era muito claro que você não me queria aqui. Me expulsou do quarto...Eu tive que procurar outro lugar que eu pudesse ficar minimamente confortável. Para você poder ficar mais confortável também. 

- Eu não te expulsei, Oto! Eu só queria ficar sozinha naquele momento.  A gente tinha acabado de discutir, eu tava confusa, precisava ficar sozinha. Foi só isso. Não era para você sair de casa. 

- Eu não consigo ver dessa forma, Brisa. Para mim, isso significa que chegou num ponto em que você não consegue sequer ficar na minha presença. Isso é muita coisa. Se você não consegue dormir ao meu lado, você também não me quer por perto. É o nosso quarto, nosso espaço, o nosso lugar como casal. Por mais que eu estivesse chateado, magoado, frustrado... eu nunca pensei em sair daqui, do seu lado. Não tinha essa rejeição de minha parte. Mas tinha da sua. Não tem como não se sentir indesejável, alguém que incomoda. Por que eu vou ficar em um lugar em que eu sei que a minha presença está sendo evitada?

- Eu nunca pensei dessa forma. Sei lá, na minha cabeça isso era uma coisa pontual, normal entre os casais. Pensava que até servia para deixar as coisas se acalmarem. Para esfriar a cabeça, não falar, nem fazer nenhuma besteira. Organizar melhor as coisas antes de voltar a tentar solucionar os problemas. Não imaginei que você iria se sentir assim -  acrescentou com pressa, acariciando a mão dele.

- Eu sei que isso é "normal", comum. Acontece muito com os casais. E acho também  que isso é uma das coisas que vai minando a relação no dia a dia. Justamente porque parece algo bobo, feito para ser passageiro, talvez. Mas que oculta esse movimento de repulsa. De afastamento. De uma quebra de intimidade. Eu não consigo ver como um gesto sem importância. Diz muito para mim. Eu estava me sentindo um estranho dentro da minha própria casa. Sem lugar. O quarto da Aurora, é dela. O do Tonho, dele. Da Tininha é dela. E o meu? - fez uma pausa com os olhos marejados. - O sofá da sala ao menos tinha a vantagem de ser um lugar comum a todos... - deu um sorriso de canto de boca, sem ânimo.

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