Perdas e ganhos

197 9 225
                                    

Os olhos de Oto pareciam ainda mais escuros e profundos no contraste com a palidez de seu rosto.  Piscava lentamente, como se tentasse forçar a nitidez de sua visão ainda embaçada pelos efeitos da medicação. A pele ressecada em volta dos olhos esticava forçadamente  em linhas que desenhavam um sorriso de alívio diante da imagem de Brisa a sua frente. 

- Seu rosto... eu precisava ver seu rosto. - sua voz saía arrastada e baixa. 

- Shhh! - Brisa passou o dedo suavemente sobre os lábios dele. - Tenta não fazer esforço, meu amor. Eu tô aqui. Eu tô aqui com você. Como eu precisava te ver acordado, meu Deus!

Oto levantou o braço e segurou na mão de Brisa em seu rosto. Beijou-a na mão e, por um breve instante, fechou os olhos novamente. Respirava fundo pressionando a mão dela em seus lábios.

- E as crianças, Brisa? A Aurora tão pequena...sem a gente...

- Eles tão bem. A Aurora tá com Tininha. Tá tudo certo.  O importante é que você está bem e em breve vamos estar todos juntos de novo! Mas você não pode se agitar. Os médicos pediram para não deixar você fazer esforço.

- Eu só queria ver minha filha, sentir ela de novo aqui...nos meus braços. - Oto se ajeitou na cama, angustiado, tentando levantar parcialmente as costas.

- Oto, deita. Você ainda tá grogue. - Ela tentava fazê-lo encostar na cama novamente. - Você vai estar com ela logo, logo. Mas você precisa se recuperar. Tá tudo bem, todos nós estamos bem. É você que tem que ficar bem agora. 

Oto deu um sorriso pensativo.

- Quem diria que o jogo ia virar e seria eu te dando trabalho para ficar quieto na cama do hospital. 

Brisa riu inesperadamente, em meio às lágrimas que corriam pelos cantos dos olhos. 

- E pelo visto vou ter é muito trabalho. Não para quieto. 

Ele se ajeitou na cama e fez uma careta de dor ao sentir uma pressão nas costas. Começava a ter ciência das lesões que carregava no corpo.  Olhava para Brisa com o semblante reflexivo.

- Quando eu senti o impacto da batida e o carro rodou, eu só conseguia pensar em você, nas crianças. Foi tudo muito rápido, mas ao mesmo tempo parecia que eu estava vivendo aquilo em câmera lenta. Eu via...como se estivesse na minha frente... O rostinho da Aurora,  podia ouvir o choro dela. Naquele momento eu senti um aperto aqui... - disse levando a mão ao peito. - Eu pensava que eu não podia morrer ali, ela precisa de mim. Nós tivemos tão pouco tempo juntos. Eu esperei tanto, eu quis tanto ela. E eu prometi que eu estaria sempre com ela, que protegeria ela. Não podia terminar daquela forma. 

Brisa se abaixou sobre ele, acariciando-o no rosto.

- Não pensa nisso, meu amor. Já passou, foi um susto muito grande, mas agora você tá aqui. A gente vai superar tudo isso. - Brisa tentava beijá-lo sem deixar que ele se movimentasse demais. 

- Vamos...Eu queria acordar para te ver aqui. Eu precisava sentir você perto de mim de novo.

- Eu tive muito medo. Muito medo de te perder. Eu rezei tanto, pedi tanto para nada de ruim ter acontecido. Cada minuto esperando uma informação era... - parou de falar, com a voz embargada. 

Os dois se abraçaram, testa com testa, respiração sobreposta. Aproveitavam a presença um do outro. 

- Eu precisava disso. De você. Sentir você comigo.  - Oto sussurrou no ouvido de Brisa.

- Ô, meu branquinho...Eu vou estar sempre aqui, do seu lado. Mas não me dá mais um susto desses não. Eu tô que nem consigo raciocinar esses dias.

- Eu quero é ir embora logo daqui, voltar para a nossa casa, pegar minha filha no colo e não soltar mais.

Dois mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora