Pai

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O pesado silêncio preenchia o espaço entre eles, conectando-os à distância. 

Aqueles breves segundos recapitulavam anos de ausências e um buscava no olhar do outro o sinal de trégua para tomar a iniciativa de alguma palavra.

Oto fechava a porta atrás de si quando o pai, enfim, pronunciou seu nome, como se ainda confirmasse que a presença dele ali, à sua frente, não era um engano.

- Oto...

- Como o senhor está? - Tentava esconder o nervosismo na polidez.

- Melhor do que antes, acho.  - Respondeu com uma expressão amistosa no rosto. - Não achei que você iria voltar aqui...

- Estive aqui várias vezes desde o dia da sua internação.

- No hospital?

Oto balançou a cabeça afirmativamente.

- Eu acompanhava os boletins médicos, falava com a equipe. Precisei autorizar algumas coisas também. 

- Eu só me lembro de ter te visto aqui no leito uma vez...

- É... Eu não entrava aqui. Da primeira vez você se agitou com a minha presença, mesmo sedado. Seus batimentos aceleraram. O médico havia me alertado que você não podia se agitar, principalmente naquele momento. 

- Eu me lembro de você aqui. - Repetiu.

- Eu saí e fui chamar a enfermagem. Não quis ser responsável por uma possível piora no seu estado. 

- Se algo tivesse acontecido, não seria sua responsabilidade. De ninguém.  Meu coração já não é mais o mesmo. Perdeu a força.

Oto permaneceu em silêncio naquele momento. Era estranho para ele ver o pai reconhecer tão naturalmente uma fraqueza. 

- Você veio de Portugal? 

- Não. Eu estou morando aqui. 

- Você? Voltou para o Brasil? - Atílio o olhava incrédulo e confuso.

- Já faz quase um ano.

- Sei que não é da minha conta, mas não deixa de ser surpreendente. Achei que você ficaria...por aí. - Fez um gesto no ar com a mão livre do acesso. 

- Não, eu não estou mais "por aí". Eu voltei definitivamente para ficar com a minha família. Eu me casei. Com uma brasileira. Maranhense. - Pela primeira vez desde que entrou naquele quarto, esboçou um rápido sorriso. - Sou pai de dois filhos. Ela tá grávida. 

Atílio tinha a expressão séria e atenta ao ouvi-lo falar.  Por um instante, parecia estar olhando para um estranho à sua frente. 

Depois de ouvir em silêncio e processar todas aquelas informações, limitou-se a perguntar:

- Isso significa que eu sou avô?

Oto passou os olhos pelas paredes antes de responder.

- Acho que sim. Se eu for seu filho... Foi a mesma coisa que a minha mãe perguntou quando eu encontrei com ela aqui no hospital. 

Atílio deixou escapar um sorriso desajeitado no canto da boca.

- Não me estranha a coincidência. Acho que nenhum de nós esperava por isso. Pelo visto o Oto que foi embora para Portugal não voltou mais. Não foi ele que voltou.

Oto o olhava nos olhos, pensando no que iria falar. Não estava certo do quanto queria compartilhar naquele momento.

- Não. Aquele Oto não volta mais.  - Sua reposta saía em um tom vago, mas ao mesmo tempo sua voz soava pesada e incisiva.

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