Depois da hora mais escura

426 11 160
                                    

Os galhos das árvores trepidavam resistentes à rebeldia do vento naquela manhã. Um som farfalhante crescia por entre as folhas agitadas.  A claridade do sol se embaçava pela poeira que se erigia do chão pelo caminho. 

Assim que o carro parou, os moradores da pequena vila se apressaram para descobrir quem estava chegando. Brisa saiu primeiro, seguida por Tininha. As duas rapidamente passaram os olhos ao redor e identificaram muitos rostos conhecidos que as encaravam curiosos. 

Oto saiu em seguida, deu a volta e abriu a porta de trás para tirar Tonho da cadeirinha. Pegou-o no colo brevemente e o colocou no chão. O menino  mal tocou o solo e saiu correndo livre, como sabia que podia ser ali. Tininha o seguiu, chamando-o para sua casa. Queria evitar que Tonho tentasse entrar na casa em que havia morado e que Núbia tinha tomado de volta. 

Brisa e Oto se entreolharam. Ele se aproximou e passou o braço por seu ombro para seguirem. Naquele momento, muitos olhos estavam sobre eles. Podiam sentir no ar a tensão de serem o alvo de tantas atenções. Junto à incomum ventania que varria ruidosamente a vila, ouviam comentários em vozes secas e abafadas.

Com o olhar reto em seu destino, Brisa ia pelo caminho que conhecia de olhos fechados com a cabeça erguida. Os olhos de Oto oscilavam entre o cenário que tanto ansiava em conhecer e os olhares inquisidores daqueles estranhos que pareciam conhecê-lo, de alguma forma. 

Na frente de uma das casas, Adalgisa, amiga e confidente de Núbia, olhava Oto de cima a baixo. Deixou os cochichos  com uma vizinha de lado e resolveu se manifestar diretamente. Sem tirar os olhos de Oto, dirigiu-se  à Brisa:

- Tá de volta, é? Pensei que não gostava mais daqui.

- Da minha terra eu gosto. Só é uma pena ter que encarar o que eu não sinto falta alguma para poder visitar.

- É ele o seu marido? - Perguntou fazendo um gesto com a cabeça na direção de Oto. 

- É sim, é Oto. 

Oto a cumprimentou em silêncio.

- É o do avião, não é?

Os olhos de Adalgisa pousaram sobre a barriga de Brisa.

- E já tá de barriga, é?

- Por quê? Tem prazo certo para cumprir?

- Não, não tô dizendo isso. Só perguntei...

- Pois sim. É uma menina. Para você não ter o trabalho de perguntar... Agora, com licença que eu e minha família temos mais o que fazer. 

Brisa saiu com passos firmes, puxando Oto pela mão.

Na pequena sala da casa de Tininha, ela esperava pelos dois com uma expressão zombeteira. 

- Passaram ilesos, ninguém tentou segurar vocês, não? 

- Bem que queriam. Adalgisa veio logo se inteirar... Não perde a chance de marocagem, né? Precisava ver o jeito que ela olhava para Oto. Só faltou pedir a identidade dele. 

- Tô me sentindo até uma celebridade. Tanta gente me olhando...

- Mas não deixa de ser. Aqui você é o "homem do avião", que dona Núbia vivia espalhando essa história, repetindo por aí.  - Tininha comentou em tom de deboche.

- Ah, então os chifres do Ari também são famosos assim? - Perguntou com um sorriso cínico no rosto.

- Que chifre?  - Brisa perguntou indignada.

- Ué, os que ele sempre achou que tem. 

- Mas não tem cifre nenhum! Não vem com essa história, que tu sabes!

Dois mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora