Brisa entrou em casa com Tonho no final da tarde. O menino foi correndo para o quarto encontrar seus muitos bonecos. Ainda não tinha compreendido muito bem por que ele e a mãe estavam sozinhos na casa agora. Ela tinha outro ritmo, bem mais lento e pesaroso. Atravessava os cômodos como se estranhasse o ambiente. Faltava algo. Alguém.
Na mesinha ao lado da cama reluzia a aliança destituída de seu propósito. Era só mais um anel fora do dedo que antes a ostentava com orgulho. Talvez essa fosse sua função agora, solitária: relembrar um laço que se desfez.
Na manhã seguinte seria sua vez de falar com a psicóloga pelo processo de guarda. Oto seria antes dela. Seria. Sua ausência a essa altura poderia comprometer suas chances de vitória antecipada? Não sabia e adiava perguntar ao advogado. Ele também não tinha ciência ainda de que agora era só ela e Tonho. Ter que contar isso a ele a faria pensar, verbalizar e reviver o que queria ignorar. Talvez a nova condição até facilitasse o processo, já que era Oto o novo membro da família. Precisaria atualizar as informações. Pensaria nisso depois. De alguma forma, sentia que isso não seria um problema, embora não soubesse por quê.
***
Oto se sentia sufocado pelas paredes do apartamento. Resolveu sair para tentar dispersar os próprios pensamentos. Seu trajeto não foi muito longe: decidiu parar em um bar próximo do prédio em que estava. O local estava cheio naquele começo de noite. Muitos grupos de jovens conversavam e riam alto. Sentou em uma mesa mais afastada, sozinho, enfileirando as garrafas que esvaziava uma após a outra. Era o mais próximo que chegava de conseguir preencher o vazio que sentia.
Duas mulheres conversavam na mesa a sua frente. Cochichavam entre entre si e o encaravam. Estava tão absorto na tentativa de não pensar em nada que até então não havia percebido as tentativas de chamar sua atenção. Uma das mulheres se aproximou de sua mesa e perguntou se podia se sentar ali, com ele. Foi pego de surpresa e apenas assentiu com a cabeça, sem pensar muito. A mulher começou a puxar papo e a se aproximar dele fisicamente. Ele apenas ouvia sem absorver nenhuma palavra. Somente o seu corpo estava sentado naquela cadeira, já anestesiado dos efeitos do álcool. Levantou os olhos, pela primeira vez encarando aquela mulher tão próxima dele.
- Desculpa, eu preciso ir. - Levantou-se bruscamente da cadeira, um pouco tonto com o movimento.
A mulher o olhava se afastar confusa. Ele pagou a conta e saiu apressado, sem destino certo. Caminhou até a lagoa. Sentou-se no banco com o olhar perdido nas pessoas que cruzavam aquele espaço. Estava no mesmo banco que esteve com Brisa, quando se beijaram pela primeira vez.
***
Brisa chegou com antecedência no local agendado. Antes da hora em que Oto deveria estar lá. Queria ter tempo de informar ao advogado das mudanças repentinas. Interrompeu sua trajetória assim que percebeu: Oto estava sentado ao lado do advogado, aguardando ser chamado.
Os dois se olharam silenciosamente como se pedissem a autorização um do outro para se cumprimentarem.
- Bom dia, Brisa! O Oto já vai ser chamado. Podemos aproveitar que você chegou cedo para repassar algumas instruções. - O advogado se antecipou, intermediando a hesitação inquieta dos dois.
- Bom dia, doutor Júlio! Eu vim mais cedo para isso. Queria falar com o senhor, saber se precisa mudar alguma coisa... - Olhou discretamente para Oto.
- Não. No momento vamos manter tudo como combinamos. Não há necessidade de mudar nada, seria até desnecessariamente arriscado.
Oto se levantou da cadeira e a encarou timidamente, tentando não desviar involuntariamente seus olhos dos dela.
- Brisa...eu conversei com o doutor Júlio. Ele concordou que o processo já está bem avançado e a gente pode manter as coisas como estavam... no processo. Na verdade, não mudou nada no meu interesse de te ajudar a ganhar a guarda. Tudo bem para você?
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Dois mundos
FanfictionUma órfã de vida simples em Mandacaru, no interior do Maranhão. Criada em meio à natureza e imersa nas tradições do povo que a acolheu. Cantora e dançarina, mas também lavadeira, passadeira, costureira e o que mais fosse necessário na rotina de muit...