Seguindo o destino: um quarto para dois

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Aquele quarto tinha a decoração exagerada e irritantemente sem coerência alguma de um motel barato. Serviria perfeitamente para descansarem com o mínimo de conforto, mas os detalhes contribuíam para aumentar o clima de constrangimento não assumido que pairava no ar. Não conseguiam fingir naturalidade diante de uma cadeira com estampa de oncinha em frente a uma cama redonda ornamentada com lençóis bordados com pequenos corações, além dos espelhos manchados. O odor no ambiente misturava algum desinfetante recém aplicado com os resquícios entranhados da fumaça de muitos cigarros ao longo de anos.

Brisa se adiantou e entrou no banheiro. Estava realmente apertada, mas era também a chance de interromper o desconforto que sentia por estar ao lado de Oto naquele ambiente. O motel anterior ao menos parecia um quarto de hotel comum. 

Oto se sentou na beira da cama tirando os sapatos. Suas costas estalavam doloridamente. Sentia a exaustação tomar seu corpo agora que estava prestes a finalmente ceder à necessidade de dormir. Com o olhar perdido, observava os detalhes ao redor quando Brisa saiu do banheiro. Era estranho olhar para ela em pé a poucos metros dele e estar naquele lugar sem a menor pretensão de realizar sua principal finalidade. 

Dessa vez, foi Oto que se adiantou.

- Vou tomar um banho. - Saiu rapidamente sem olhar diretamente para ela.

Brisa caminhou até a janela e afastou a cortina pesada de poeira. Pelo vidro embaçado via uma imensidão na escuridão. Alguns poucos prédios mais distantes tinham uma ou outra luz acesa. Sentia-se isolada em uma ilha apenas com a companhia de Oto. Abriu uma fresta e apreciou o vento fresco que bateu em seu rosto. Ali ficou por um tempo.

Ouviu o barulho da porta do banheiro abrindo. Ao olhar para trás, viu Oto procurando algo na mochila em cima da cadeira. Aquela cadeira de oncinha. 

Estava com o cabelo ainda úmido, de calça, mas sem camisa. A toalha sobre os ombros tapava a maior parte de seu tórax, mas seu abdome estava visível.  As cavidades profundas dos oblíquos desapareciam onde começava o cós de uma boxer preta. Brisa sentiu um tremor subir pelo corpo. Estava desconfortável com a visão que tinha, ao mesmo tempo em que não conseguia desviar os olhos. Demorou a notar que estava com a boca entreaberta. Sorte que Oto pegou rápido uma camisa e voltou para o banheiro. Ela tentava negar para si as próprias reações.

Quando Oto saiu do banheiro novamente, tinha trocado a camisa preta por uma cinza-chumbo. Aquela cor combinava bem com a energia errática e ao mesmo tempo obstinada que ele transmitia. Ela permanecia parada perto da janela. Oto a olhou nos olhos por alguns instantes como quem procura uma forma de quebrar o silêncio sem ter a mínima ideia do que falar. Brisa, então, adiantou-se:

- Agora vou eu tomar um banho.  

Estavam fazendo revezamento de banheiro. Sem que falassem um para o outro na forma de um acordo, evitavam ficar no mesmo ambiente. Só tinham o banheiro para escapar. 

Oto pegou uma manta que estava em uma pequena estante e forrou o chão entre a cama e a janela. Puxou um dos travesseiros e finalizou a sua cama improvisada. Passou algum tempo mexendo no celular, visualizando algumas mensagens. Depois colocou o telefone em um pequena mesinha e desligou uma das luzes para ir se deitar. Brisa saiu novamente do banheiro. 

- Você vai dormir no chão?

- Sim. Fica você na cama. Eu deito aqui. 

- Não, você vai dirigir muito tempo ainda. Precisa descansar melhor. Eu fico no chão.

- Não. Não tem problema. Eu vou deitar e dormir, não importa que seja no chão. Eu só preciso descansar mesmo. Fica à vontade. - disse já se abaixando para deitar e não dar tempo dela tentar argumentar.

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