Tensão

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Aquela foi a fração de segundo mais longa de sua vida. 

No instante em que abriu aquele porta-malas, certo de que agora tudo estava sob controle, Oto experimentou uma mistura de sensações contraditórias que nem sabia que era humanamente possível sentir em um espaço tão curto de tempo. Seus olhos reconheceram aquela fisionomia de imediato e teria ficado satisfeito de apreciá-la mais uma vez, mas este encontro inusitado acontecia no exato momento em que menos poderia acontecer.  

Sua mente entrou em estado de emergência. Mal conseguia raciocinar para tentar achar uma explicação para o que estava acontecendo diante dele. Sentiu uma descarga de energia descendo pela sua coluna. Seu coração batia na garganta e podia sentir o ritmo acelerado de sua pulsação nas têmporas. O rosto queimava como brasa e as veias de seu pescoço esticavam sua pele como se fossem rasgá-la. 

Não estaria tão assustado se tivesse visto uma alma desencarnada. Mas seu problema era daqui, do mundo dos vivos, de carne e osso. Viva e vibrante ao alcance de suas mãos. Nada naquele cenário parecia fazer algum sentido lógico. 

A memória da graciosidade dos movimentos daquela mulher que dançava na praça em nada sintonizava com a imagem a sua frente. Brisa tinha um olhar aterrorizado e aterrorizante. Estava ofegante e buscava o ar como quem acaba de emergir das águas em que se afogava. Seu corpo apertado naquele espaço sufocante tremia e exalava a fragilidade de quem tenta se proteger em uma parede sem saída. Sua expressão oscilava entre o medo e a projeção de um ataque, tal como um animal selvagem que se vê encurralado por seu predador. 

Ela não sabia o que esperar naquele momento. Seria ele seu salvador ou mais um perigo que teria que enfrentar? Descobriria naquele momento, não tinha alternativa. Estavam cara a cara olhando um a vulnerabilidade disfarçada do outro.

Era ele? Aquele homem da praça. A certeza de reconhecer aqueles olhos era desmentida pela improbabilidade de estar diante dele naquela situação.

Foi o grito alto e estridente de Brisa por socorro que trouxe a mente de Oto à realidade.

- O que... o que você está fazendo aí? Como? Como entrou aí? - não sabia nem por onde começar a questionar.

- Me tira daqui! Socorro! - Brisa não se importava com explicações naquele momento.

A voz de Brisa vibrava nas paredes dos quartos naquele pátio de motel em total silêncio. Instintivamente, Oto levou a mão à boca de Brisa para fazê-la parar de gritar. - Cala a boca! 

Não importava como iria resolver aquilo, naquele momento ninguém podia vê-los. Como explicaria aquela mulher no seu carro? Tinha que ganhar tempo para pensar no que ia fazer. 

- Ahhhrrr...! - Oto quase rosnou quando sentiu que Brisa ia morder sua mão.  - Você é louca! O que você tá fazendo? - sentia o oxigênio faltar em seus pulmões.

- Me ajuda! Eles....estavam atrás de mim. Na praça. Não sei o que vão fazer comigo. Eu não fiz nada, não fiz nada.... Me tira daqui! - Brisa gritava ainda mais alto.

- Não, não, não, na... Entra aí....eu vou, vou.... voltar, lá na estrada. Pra você ir... Não podem te ver aqui. Entra, entra... - Oto atropelava as próprias palavras quase tão desconexas quanto seu raciocínio e pressionava a porta para baixo tentando esconder Brisa novamente.

-Eu não vou ficar aqui. Me tira...me tira daqui! - Brisa segurava a porta por dentro, evitando que Oto a fechasse de novo ali. Em nenhum momento se resignou à evidente desproporção de força entre eles.

- Depois você faz o que você quiser, pede ajuda, sei lá. Vou te tirar daqui. - Oto tentava convencer Brisa e a si mesmo.

- Não! Me ajuda...eu quero sair daqui!

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