Vestido

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Naquela manhã Penélope acordou introspectiva, nem mesmo a falação incessante de Samuel sobre a despedida de solteiro a tirou os próprios pensamentos.

Às quinze da tarde selaria sua vida a de Diego. Algo que no passado a encheria de felicidade, agora a enchia de tristeza e solidão.

Durante o passar das horas foi difícil não pensar em sua mãe.

Durante seu crescimento, principalmente ao entrar na adolescência, sua mãe a encheu de expectativas, planos de como seria o futuro. Paloma sonhava com o dia que veria a filha casar de branco, na igreja e com tudo que lhe foi negado ao engravidar, ser expulsa de casa pelos pais e morar com um egocêntrico bêbado.

Nessa mesma época, tendo adquirido medo do comportamento agressivo do pai, questionou o amor de sua mãe pelo pai.

Não tive escolha, filha — ela lamentou acariciando suas bochechas, as íris avelã fitando as suas com intensidade. — Mas você terá. Encontrará um bom homem, alguém que a respeite, ame e proteja, casará e formará uma família. Estarei ao seu lado para garantir que assim seja — Paloma prometeu.

Promessa ao vento, esquecida muito antes da morte física de Paloma.

E ela, Penélope, embora não selasse sua vida a de outra pessoa por causa de uma gravidez, e fosse ter o casamento negado a sua mãe, no restante falhou. O homem ao seu lado no altar não a amaria, nem protegeria e deixou de respeitá-la anos antes.

Tampouco tinha escolha.

Com a tutela de Samuel nas mãos de Roberto, se fugisse daquele casamento com o menino, não duvidava que o Freitas a seguiria até o inferno para recuperá-lo e castiga-la pela audácia de desobedecê-lo.

Restava o acordo com Diego para obter a tutela exclusiva de Samuel.

Certa de que ele cumpriria a palavra, por odiar ela e o menino, seguiu melancólica ao longo da manhã e começo da tarde.

Faltando poucas horas para a cerimônia, Ana e Jéssica entraram em seu quarto para ajuda-la, encontrando-a do joelho para cima deitada na cama, fitando o teto. Ao seu lado estava a caixa com o vestido de casamento, entregue há minutos antes. Receber a caixa, cujo conteúdo também não foi escolha sua, a fez desabar. Nem mesmo sabia o que havia ali dentro.

Como um teatro de bonecos, Roberto Freitas criou o enredo, montou o palco e vestiu os bonecos para ludibriar a pequena Cezário. E ela era a boneca principal, sendo manipulava a seu bel-prazer por invisíveis fios.

— Penny, seu vestido é maravilhoso! — Ana soltou ao tirar a peça da caixa e estica-lo no ar.

Movendo a cabeça de lado, observou sem interesse a elegante peça branca, lisa e com decote canoa. Podia reutilizá-lo em uma reunião, pensou com amargor, voltando a encarar uma rachadura minúscula no teto. A casa antiga estaria prestes a desabar igual ela?

— Penny, levante-se! Falta menos de duas horas para o casamento — Ana alertou. — Pelo menos tomou um longo banho de sais, com bastante espuma e perfume pra ficar cheirosa na noite de núpcias?

Revirou os olhos.

— Não haverá noite de núpcias.

— Seu futuro marido é um gostoso e tá louquinho por você, qualquer um vê isso — Ana comentou sentando-se ao seu lado. — Siga o ditado dos limões, aproveite a limonada.

— Está comparando o Diego a uma limonada?

— É injustiça, né? Ele é mais uma caipirinha deliciosa, com sal na borda do copo — Ana brincou lambendo os lábios.

— Seu namorado sabe que deseja beber o noivo alheio? — Penélope zombou sentindo uma pontada incomoda.

— Falando nele — Ana sacou o celular da bolsa. — Tenho que falar rapidinho com ele. Verificar se está a caminho. Já volto!

Penélope se obrigou a levantar e pegar o vestido. Deslizou as mãos pelo tecido, sentindo sua maciez.

Jéssica aproveitou aquele momento para confessar algo que escondia da amiga.

— Penny...

Penélope ergueu os olhos do tecido, estranhando o desconforto visível nas feições de Jéssica.

— Enrique me fez algumas perguntas sobre você e sua mãe — Jéssica contou, soltando antes de ter tempo de se arrepender: — Ele acha que você é mãe do Samuel. E eu meio que dei razão a essa desconfiança.

Penélope encarou a amiga sem expressão.

— Por quê?

Jéssica deu de ombros.

— No dia da sua despedida, você disse ao Diego que guardava um segredo sobre o Samuel. Enrique acha que o segredo é esse, que Samuel é seu filho e do Diego.

— Não perguntei os motivos do Enrique, quero saber por que deu razão a ele?

Jéssica sentou ao lado de Penélope, odiando a frieza da amiga.

— Juntei o que você nos disse naquela mesma noite, sobre Roberto proteger uma reputação, que não era a sua, com a sua idade quando se envolveu com Diego. Fez sentido — finalizou, movendo uma mecha solta de seu coque para detrás da orelha.

Encarou Penélope em expectativa do que diria. No entanto, a amiga estava novamente concentrada no vestido em suas mãos.

— Não vai dizer nada?

Penélope inspirou fundo e encarou Jéssica de um jeito estranho, como se encarasse um grande vazia a sua frente, ou dentro de si.

— Tenho de me trocar.

Penélope ergueu-se e seguiu para o banheiro com o vestido.

~*~

Dirigindo no limite entre Rudá e Cezário, Marcela sentia as mãos frias e rígidas no volante.

Pensou ter superado aquela agonia há muito tempo, no entanto, foi dirigir por aquela estrada amaldiçoada, em que seu filho perdeu a vida, para a dor atravessar seu coração.

Queria retornar ao seu apartamento na capital e trabalhar na contabilidade dos escritórios Mendez & Freitas, em vez de passar perto do local em que a vida de seu primogênito foi ceifada.

Porém, tinha que impedir seu caçula de comente o maior erro de sua vida.

Se soubesse que a cerimônia seria naquele dia, teria vindo antes. No entanto, mesmo telefonando diariamente para o filho, ele não revelou a data. Mostrando-se tão egoísta e covarde quanto o pai.

Só descobriu horas antes de pegar a estrada, quando um amigo em comum com Roberto a felicitou pelas bodas do filho. Tinha sorrido, ocultando seu desgosto, até ouvir que ele não poderia participar da cerimônia naquela tarde por ter um compromisso no mesmo horário.

Provavelmente, o homem estava até agora sem entender o motivo dela sair correndo sem se despedir.

Nos primeiros quilômetros, pensou em seguir direto para a mansão, depois sentiu a necessidade de ajuda, alguém que Diego ouvisse, já que as súplicas da mulher que lhe deu à luz não eram suficientes. Um único nome preencheu seus pensamentos perturbados.

Parou o carro quase em cima da calçada e apressou-se a afundar o dedo na campainha.

Não sabia se estava em casa, mas deduzia que mesmo se fosse convidada, Tereza jamais participaria do circo montado por Roberto e pela cria de serpente que ele abrigava na mansão.

— Marcela, o que faz aqui? — Tereza estranhou ao sair da casa e caminhar até o portão.

— Vim pedir sua ajuda para impedir o casamento de Diego e a filhote de víbora.

Desejos ~ O filho secreto do CEO ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora