Almofadinha

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Morar em uma cidade pequena tinha muitas vantagens, mas poucos agraciavam uma pessoa com reputação manchada, caso em que Penélope se enquadrava desde os dezessete anos.

Fora da fábrica, poucas eram as pessoas que a cumprimentavam ou eram educadas com ela. O tratamento frio, e por vezes grosseiro, se estendia para Samuel. O que só mostrava o nível de fervor pela moral e bons costumes dos cezarianos.

Por isso, Penélope estranhou os milhares de sorrisos que se abriram ao caminhar pela cidade ao encontro das amigas. Mulheres que desviavam os olhos quando ela passava, agora a cumprimentavam como se fossem amigas de longa data. Os homens, que costumavam assediá-la na menor oportunidade, nem sequer lhe dirigiram a palavra, se limitando a um sorriso educado quando ela os pegava olhando-a.

Ao entrar no único bar da cidade, e ponto de encontro dos maiores de dezoito anos, longe dos galanteios inconvenientes, os poucos homens presentes evitaram olha-la. Somente um, que estava bêbado, esticou a mão para toca-la, Penélope até se moveu para evitá-lo, mas não foi preciso. Um homem próximo do bêbado adiantou-se, o agarrou pelo antebraço e o levou para longe de Penélope.

Penélope não conteve um sorriso, apreciando, pela primeira vez, o falso noivado. Ser a noiva de um Freitas limpou sua honra como nenhuma prova de sua inocência o faria. Embora não as tivesse, e nem era tão inocente assim, admitia sua consciência.

No entanto, sua alegria durou pouco.

Inspirou fundo e expirou devagar ao perceber que não estariam sozinhas como havia combinado com Ana. A loira jogava bilhar com o namorado, o irmão dela e o primo dele, o que não era um problema. O pior estava na mesa escolhida por Jessi. A amiga estava sentada ao lado de Lucas.

Mataria as amigas por coloca-la em uma situação tão constrangedora. E justo em um local com pessoas sedentas por motivos para condena-la.

Assim que a viu, Jéssica se encolheu na cadeira, a culpa tingindo sua face de rosa.

Lucas se levantou para aguardá-la, os olhos como os de um cachorrinho abandonado. E, em teoria, era, Penélope considerou perguntando-se o que ele pretendia. Aquela altura, Lucas – assim como cada habitante da cidade - sabia que seu noivado foi oficialmente anunciado na festa do dia anterior.

— Oi, meu amor! — ele a cumprimentou quando estavam a poucos passos, o corpo adiantando-se para abraçá-la e, possivelmente, beija-la.

Precavendo-se, Penélope estendeu a mão.

— Boa noite, Lucas!

Ele vacilou, olhando confuso para a mão estendida, depois para ela.

— É preciso isso, meu amor?

Pelo canto do olho, Penélope percebeu que atraiam a atenção dos outros ocupantes do lugar. Agarrou a mão dele e o levou para um canto, o mais afastado dos demais para conversarem. O som estava numa altura considerável, Penélope torceu para ser o suficiente para evitar que escutassem sua conversa.

O ideal era saírem do bar, mas preferia evitar os falatórios. Estando a vista de todos diminuiria as chances de inventarem que teve uma recaída, traiu Diego, ou teve uma transa ilícita com Lucas em alguma moita do lado de fora. A criatividade em Cezário era tão grande quanto às línguas de seus habitantes.

— Não estamos mais juntos e estou noiva do Diego — informou, pedindo nervosa: — Outra hora conversaremos com calma, mas agora, por favor, não me chame de amor.

— Mas você é o meu amor, e eu sou o seu — ele disse levando a mão em direção a bochecha dela para lhe fazer um carinho. O afastou antes que a tocasse, olhando rapidamente em volta para ver se alguém percebeu o gesto. Vários rostos disfarçaram pessimamente que não acompanhavam cada movimento deles. — Penélope, não pode me trocar após uma briga boba — Lucas queixou-se.

— Não foi uma briga boba. Você me acusou de coisas terríveis — lembrou aborrecida, tanto pela lembrança da desagradável discussão, quanto por ele insistir em seguir com o assunto.

— Estava irritado, mas isso não te dá o direito de me trocar por aquele almofadinha — ele reclamou exaltado. — E esfregar esse noivado na minha cara, e na frente da cidade toda que sabia que estávamos juntos.

— Esse é o problema? É só dizer que sou uma interesseira correndo atrás do dinheiro dos Freitas — sugeriu contendo a vontade de gritar de indignação. Era a reputação dele que o incomodava. — Garanto que ninguém duvidará.

Tentou se afastar e colocar fim naquela conversa sem sentido, mas Lucas a segurou pelo pulso e reclamou aos berros:

— Até uns dias atrás planejava casar comigo. Então, chego naquela maldita mansão e a pego aos beijos com aquele sujeitinho endinheirado, o que devo pensar disso?

Se tinha a esperança de não atrair a atenção, naquele instante fracassou. Quase podia ver o povo cochichando pelos cantos, criando teorias, lamentando os autodeclarados chifres de Lucas. Ninguém se preocuparia em procura-la para saber o que houve. Sua versão seria ignorada como no passado, e a fama de mulher fácil ganharia uma nova camada.

Puxou o braço, enojada por Lucas a expor, de novo. Se ele fosse compreensivo e menos babaca, teria contado a verdade sobre a imposição de Roberto, de como seu casamento com Diego era unicamente para ter a tutela de Samuel. Lucas pisou e depois jogou no lixo a pouca consideração que ela nutria por ele.

— Pense o que achar melhor — disse sentindo os olhos arderem, mas sustentando o queixo erguido. — Estou noiva, vou me casar com o dito almofadinha endinheirado e o resto pode — Virou-se para a plateia - que agora não disfarçava o interesse - e ergueu a voz para ser escutada por todos — podem criar a realidade que preferirem. Estou pouco me fudendo pra opinião de vocês.

Altiva, voltou-se para a saída do bar, a fim de afasta-se de Lucas antes que as lágrimas vencessem a batalha. Foi quando viu e reconheceu um homem parado na entrada, encarando-a, na face um misto de diversão e choque.

Abriu um sorriso cínico e foi na direção dele com passos largos. Sem cerimônia, e com o firme objetivo de humilhar Lucas como acabará de ser humilhada por ele, pulou no colo do outro, os braços envolvendo seu pescoço, a boca buscando a dele.

Como se fosse natural uma mulher se lançar em seus braços, ele plantou as mãos fortes com firmeza em suas nádegas, sustentando-a no ar. Talvez fosse, Penélope supôs aprofundando o beijo, tornando-o mais quente e faminto, seus dedos mergulhando nos macios fios castanhos, puxando-o, tomando o máximo da boca tentadora.

Encerrou o beijo quando a necessidade por ar foi maior que a vontade de nunca mais largá-lo.

Com o coração palpitante e a respiração arfante, encarou atordoada os olhos castanho-escuros, temendo a reação dele a sua impulsiva atitude vingativa.

— Essa foi a melhor recepção que ganhei na vida — Diego comentou roucamente.

Desejos ~ O filho secreto do CEO ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora