Presente

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O jantar na mansão Freitas sempre foi um evento formal e carregado de sobriedade, comum naquela família tradicional. Ao longo dos anos o silêncio na elegante mesa só foi interrompido pelo entusiasmo de Samuel. Porém, naquele dia, até o menino preferiu se concentrar na refeição e não nos olhares ressabiados dos adultos.

A tensão era tão intensa que o som dos talheres sobre os pratos parecia estrondoso.

Roberto avisou que estava indisposto e não desceu. Penélope considerou que o fazia também por não querer discutir, pois estava claro que era isso que Marcela desejava ao dar um lugar para Lucas a mesa.

Em conversa com Carla, descobriu que Marcela também tinha transformado o escritório de Roberto em uma sala para Lucas trabalhar. E o Freitas aceitou por não ver utilidade em bater de frente com a ex-esposa. Fragilizado como estava Penélope entendia sua hesitação em ir contra aos desmandos da mulher.

Se por um lado Roberto se conformou, por outro, Diego parecia prestes a jogar um prato em Lucas. Eles se encaravam durante o decorrer do jantar. Indiferente à raiva vibrando em sua direção, Lucas sustentava um sorriso de vitória por ter se infiltrado no ambiente do rival.

Marcela Freitas não escondia sua desaprovação em relação à Penélope e seu irmão, Samuel. Ignorava o menino, como fez ao longo dos sete anos em que esteve longe da mansão, e não escondia seu desprezo ao encarar Penélope. Seus olhares gelados e palavras cortantes eram constantes, e estava claro para todos que ela não aceitava a inclusão de ambos os irmãos Teixeira a família.

Durante o jantar Marcela questionou Diego sobre a fábrica, a cada informação que a desagradava lançava a Penélope faíscas quentes de hostilidade através de seus olhos.

Remexendo sua comida, Penélope engolia pequenas garfadas com dificuldade, passando com muito custo o alimento pelo nó formado em sua garganta. Só não abandonava a mesa por Samuel que, mesmo quieto, parecia não notar o quanto os adultos a sua volta se odiavam e comia com avidez.

— Pena que Roberto não desceu para jantar conosco — iniciou Marcela em meio à conversa com Diego. — Queria contar qual é meu presente de casamento em frente a todos.

Abandonando de vez os talheres ao lado do prato, perdendo de imediato qualquer resquício de fome, Penélope fitou a sogra, não se surpreendendo em encontrar ela com os olhos sobre si.

— Sabem que sou uma grande apreciadora de arte, por isso os presentearei com um quadro — revelou com um largo sorriso que não alcança seus olhos.

Diego conteve um riso sarcástico. Morou anos com a mãe e nunca a viu fascinada por nada além do trabalho e as lembranças do filho perdido.

— Por isso contratou esse sujeito? — Diego questionou aborrecido usando a faca para indicar Lucas sentado bem a sua frente. — Pra nós dar uma estúpida pintura de paisagem ou qualquer tolice do tipo?

O sorriso de Marcela ampliou-se. Penélope viu reluzir a maldade no fundo dos olhos castanhos da sogra.

— Claro que não, meu amado filho — ela iniciou devagar e tão docemente que qualquer um - que não conhecesse o embate entre as Teixeira e os Freitas - pensaria que o tal presente era de coração. — Como forma de dar as boas vindas a minha nora, paguei para Lucas pintar um quadro de Penélope.

Controlando sua revolta e enojo, Diego decidiu enfrentar a situação. Colocou devagar a faca e o garfo ao lado do prato, pousou as mãos abertas na toalha de linho e olhou diretamente nos olhos de sua mãe.

— Contratar o ex da minha mulher para pintar um quadro dela, arranjar um quarto para ele embaixo do meu teto é uma afronta e não um presente de casamento — soltou devagar, segurando a gritante vontade de ser rude, é só por respeito a sua mãe.

Marcela deu de ombros, como se não se importasse com as preocupações de seu filho.

— O que foi querido, não confia na sua esposa? — questionou com um sorriso gentil, mas repleto de veneno.

— A questão não é essa — Diego disse, sua voz cheia de desaprovação. — Sei o que pretende e peço que pare imediatamente.

Abandonando o sorriso e a tentativa fraca de manter a feição gentil, Marcela manteve seu olhar e tom firme ao revidar:

— Lucas é um artista talentoso e sei que pode capturar a verdadeira essência de Penélope em sua pintura — sua voz soava tão falsa quanto suas boas intenções. — É uma decisão tomada, Diego. Lucas ficará nessa casa até completar o quadro. Espero que você compreenda que estou fazendo isso pelo bem da família — indicou inabalável.

Com exceção de Samuel, os demais na mesa puderam sentir a guerra que estava sendo declarada naquela noite. Diego estava disposto a lutar por sua família, e Marcela não tinha a menor intenção de desistir de sua batalha para afastar Penélope e Samuel da mansão Freitas.

Observando mãe e filho se encarando, Penélope sentiu que podia cortar o ar com uma faca de tão denso que estava.

— Diego, é só um quadro — comentou desejando acabar com a tensão. — Em uma semana deve ficar pronto...

— Levará um pouco mais de tempo — Lucas se intrometeu, divertindo-se com a reação de Diego. — Sabe que a pintura necessita de atenção minuciosa. Além disso, encomendei alguns itens especiais para entregar um quadro perfeito igual a você, Penélope.

— Não vai chegar perto da minha esposa — Diego avisou taxativo.

— Então Lucas ficará um bom tempo na mansão — Marcela indicou com frieza. — Paguei por um quadro e ele só sai daqui quando o entregar.

Penélope inspirou devagar. Aquela casa se transformaria em um hospício. Só esperava não enlouquecer junto dos demais, pensou olhando para Samuel. O menino continuava a comer tranquilamente, aparentemente alheio a discórdia ao seu redor.

Desejos ~ O filho secreto do CEO ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora