Capítulo II || Watercolor Eyes

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Dizem que são cinco os estágios do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. O que não dizem é que a dor, quando chega, engole tudo e você se esquece até mesmo de quem é. Só se lembra que dói. Respirar dói, olhar coisas bonitas dói e as feias também, porque elas são dignas de estar nesse mundo, mas aquele que se foi não.

Eric era meu mundo. É meu mundo — não quero ter que pensar nele no passado. Por tantos anos, desde que nos conhecemos e ficamos amigos, ainda crianças na escola, até dois meses atrás, quando passou a dividir espaço com nosso bebê em meu coração, ele foi minha alegria, minha paz, minha fuga dos problemas com a minha mãe, meu primeiro e único amor. E agora, de uma forma repentina, ele foi arrancado da minha vida.

Nunca mais vou ouvi-lo assoviar ao chegar em casa, ou verei seu sorriso branco que iluminava tudo à sua volta. Nunca mais ele colocará a cabeça no meu colo para que eu acaricie seus cachos macios. Nunca mais faremos planos — e isso é o pior, o futuro que nos foi roubado. Ele não vai me ajudar a decorar o quarto do bebê, escolher o nome. Não estará ao meu lado no dia do parto e nem em qualquer outro dia. Ele não conhecerá o fruto do nosso amor. Tudo o que ele seria, o que seríamos juntos, nossa família, nossa pequena família feliz se foi, engolida pela centrífuga da dor.

Agora eu não preciso questionar se o mundo é justo. Tenho certeza de que não é.

***

— Foi um caminhão, senhora. Os policiais disseram que o motorista dormiu ao volante e atravessou a pista. Fizemos tudo o que podíamos, mas o traumatismo craniano foi gravíssimo e o levou a um quadro irreversível. Sinto muito.

Sinto muito. Essas foram as palavras finais do médico para mim. Depois de dizer isso, com certeza ele vai atender ao seu próximo paciente e se sentirá feliz se puder salvar uma vida. Depois do expediente vai dizer: "Perdi um, mas salvei outros". E assim, como numa equação matemática em que o importante é o saldo positivo no final, irá para sua casa satisfeito e encontrará sua família, todos bem. A verdade é que terá sido, para ele, apenas mais um dia. O médico não irá sentir nada, muito menos sentir muito.

E ao cabo de tudo, serei apenas eu, presa num espiral de lembranças, sofrimento e ausência. Um lugar onde ninguém poderá entrar. Eu que estava ao lado do meu marido, aquele que se foi, por todos os dias nos últimos anos é que sentirei muito, muito, muito a sua falta. Infinitamente. Como a dona de um membro extirpado, sei que para sempre estarei incompleta.

Grande parte de mim se foi com Eric naquele acidente e não tenho forças sequer para ter raiva, para lutar, barganhar, reagir. Fui atingida pela onda e a deixei me levar. Sei que deveria fazer alguma coisa, mas não consigo. Estou me sentindo como uma ostra, recolhendo em mim toda a dor para que possa gerar algo lindo — uma pérola — nosso filho, que é tudo o que me restou.

***

— Você não tem outro vestido, Vivian? Aquele preto de mangas três quartos que te dei não está servindo? O corte desse que você está usando é péssimo, te faz parecer um balão.

— Não mãe, aquele vestido é dois números menor que o meu manequim, nunca me serviu. Além do mais, estou grávida. — Deixo de me olhar no espelho e viro o rosto, fitando a imagem dela de terninho cinza, no alto de seus inseparáveis scarpins de salto fino, hoje pretos. Ela me observa com reprovação.

— Bobagem, nas duas vezes em que estive grávida, mesmo no final, eu só tinha barriga. Quem me via de costas sequer poderia dizer que eu carregava um bebê. Você não está nem de três meses! Isso não é justificativa plausível para esse excesso de peso, Vivian.

Estou tão fraca e cansada que o sentimento de vergonha e inadequação que sempre acompanhou esses momentos com minha mãe não apareceu. Isso é novidade. Desde que me lembro as coisas são assim. Ela tem um padrão estético muito alto que eu nunca fui capaz de atingir. Elizabeth Reyes queria que as filhas fossem impecáveis, mas tinha a minha irmã, perfeita, e a mim, sempre lutando contra a balança, portanto, nunca capaz de usar as roupas que ela acreditava serem adequadas para passar uma boa imagem. Uma imagem alinhada. Quando comecei a trabalhar e a comprar minhas próprias roupas, ela definiu meu estilo como o de uma hippie gorda e decadente. Minha irmã achou engraçado. Eu fiquei meses usando praticamente apenas duas calças e duas camisetas pretas, que revezava, imaginando que todos na rua que riam, riam de mim. "Como essa garota tem coragem de sair de casa sendo assim?" Deviam pensar. Minha mãe só queria me poupar do vexame, suas críticas eram para o meu bem, eu imaginava.

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