Capítulo VIII || Cinnamon Girl

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Quando acordo, olho para a poltrona de Dmitry e encontro, em seu lugar, uma flor num tom de vermelho tão profundo que é quase negro — uma rosa da meia-noite. Ele já se foi. Noto que estou descansada, pela primeira vez em muito tempo e percebo também outras coisas: não tive pesadelos e a camisola está enrolada até a minha cintura, exibindo a peça íntima de renda que mostra demais. Quanto tempo faz que estou assim? Dmitry me viu assim? O pensamento me assusta na mesma medida em que aumenta meu desejo. Deslizo uma mão para dentro da minha calcinha. Quero ter prazer pensando nele. No som de sua voz dizendo o meu nome, na sua boca malvada sorrindo com meu sangue pingando dela...

Paro antes que seja tarde. Retiro minha mão como se a tivesse encostado no fogo. Não posso fazer isso com Eric. Um banho frio é o que eu preciso. Corro para o banheiro sentindo tudo deslizar entre minhas pernas.

***

Tento estabelecer uma rotina, mas é impossível. Em minha casa, por mais que eu tente me afastar, as lembranças de Eric e do nosso bebê são muito presentes e, se eu tinha esperança de reencontrá-lo, com o passar dos dias e o silêncio de Dmitry, essas esperanças vão diminuindo da mesma forma em que se amplia a sensação de que tudo o que aconteceu a partir da visita do misterioso homem, foi apenas um sonho. Para tornar as coisas piores, ainda tem o próprio Dmitry e o desejo que já admiti para mim mesma sentir por ele. Chega a ser doloroso pensar que nunca mais vou vê-lo. Isso me preocupa e me faz parecer meio insana, porque ele pode ser apenas um amigo, ou amante, imaginário que criei como fazem as crianças, para lidar com a dor.

Assim, em alguns dias acordo tarde e os passo vendo séries antigas, comendo alguma pizza ou sanduíche frios que encontre na geladeira, sem sequer sentir o gosto das coisas como uma máquina trituradora . Em outros, desperto ainda de madrugada, dando vazão ao meu desejo repentino de esfregar cada canto da casa e me esqueço de comer.

O importante é que meu cérebro sofrido sabe que tenho três assuntos a evitar: Eric, o bebê e Dmitry. Cada vez que um deles surge, grito um não apavorado em minha mente e me esforço para pensar em outra coisa. Às vezes dá certo, às vezes não. E quando não dá certo, me entrego novamente às lágrimas.

Há ainda os sonhos. Desde o dia em que Dmitry velou meu sono — se é que isso de fato aconteceu — não tive mais os pesadelos que se repetiam, eles foram substituídos por outro tipo de tortura, muito mais sutil. Passei a sonhar noite após noite com Dmitry me provocando de diversas formas, sem nunca me tocar, me chamando de Ovelhinha e perguntando se eu daria uma coisa muito preciosa para ficar com ele para sempre. Nos sonhos quero dizer que sim, mas invariavelmente sai um não, que me traz uma sensação de alívio, ao mesmo tempo em que me deixa arrasada. Quando acordo estou triste e excitada e, para evitar que faça alguma besteira, vou rápido para o banho.

***

O dia em que ele voltou começou diferente. Minha mãe e irmã vieram me visitar sem qualquer aviso. Era por volta de dez da manhã e eu tinha acabado de acordar, como sempre com o desejo à flor da pele. Mal tive tempo de vestir o roupão e escovar os dentes, tendo que pular meu tão necessário banho matinal.

— Você parece bem, Vivian. — Diz minha mãe assim que abro a porta. Como a conheço, sei que seus elogios para mim vêm com uma crítica à reboque, então espero.

— Bem até demais para quem acabou de perder o marido e o filho... — Alfineta.

Tenho consciência da minha aparência. Por algum motivo, fico mais bonita quando estou com Dmitry e até sonhar com ele tem um efeito parecido. Sempre que me olho no espelho ao acordar depois de meus sonhos escandalosos e frustrantes, sou saudada por cabelos lustrosos, olhos brilhantes, bochechas coradas e uma certa autoconfiança que nunca tive. É como se ele tivesse deixado um pouco dele comigo quando trocamos sangue. Ao longo do dia e da distância do sonho, essa vivacidade vai se arrefecendo, acabando completamente quando vou dormir sem vê-lo novamente, só para retornar, esperançosa, na manhã seguinte.

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