Capítulo IX || Paris, Texas

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Apesar de como foi nossa chegada à Nícta, o tempo que passamos lá não teve mais nenhum contato físico entre nós. Tenho a impressão de que em sua dimensão ele procura se manter o mais distante possível de mim, enquanto na minha, não hesita em me tocar. Por que será que age assim?

Ficamos todo o tempo no quarto, eu sentada em sua cama e ele andando pelo espaço amplo, fazendo anotações num bloco de papel. Apesar do celular, ele parece ter apreço especial pelos métodos antigos.

Dmitry me faz perguntas sobre Eric, sua personalidade, seu comportamento, sua profissão, seus amigos. Segundo ele, conhecer os hábitos dele e sua vida pregressa facilitará a redução da área de busca.

Aproveito para perguntar como as pessoas se sentem ao chegarem em Nícta, se elas sabem o que aconteceu com elas.

— Sim, elas sabem. — Dmitry responde. — Assim que são enviadas para cá, as pessoas sabem automaticamente o que aconteceu. Tem algo a ver com a mudança de energia. Pessoas que vivem juntas têm assinaturas energéticas parecidas. Por exemplo, quando te encontrei através do véu, soube imediatamente que existia alguém com uma assinatura energética parecida em Nícta, Eric. É essa assinatura que molda a consciência com as informações necessárias. Além disso, existem vários centros de informação e acolhimento para recém-chegados — você deve ter visto as placas quando andamos pela cidade. Basta a pessoa caminhar um pouco para encontrar alguma dessas placas e os residentes daqui já são acostumados a informar o centro mais próximo. Ao chegar, a pessoa é entrevistada, recebe algumas roupas e um alojamento. São indicados lugares onde, de acordo com seu perfil, pode encontrar uma vaga de emprego. Se tiver um diploma como de medicina ou engenharia, passará por provas como uma revalidação, para que possa continuar a exercer a função anterior. Geralmente assim que encontram trabalho e recebem o primeiro salário, as pessoas se mudam para um lugar mais adequado às suas necessidades.

Fico impressionada com a organização e imagino que isso possa facilitar as buscas por Eric.

— Existe algum lugar que tenha o registro desses recém-chegados? Com a data da morte de Eric não poderíamos encontrar essas informações? — Pergunto.

— Infelizmente não é tão simples. Nícta é muito grande e os registros são feitos apenas nas casas de apoio e não são compartilhados. Não teria porque, compreende? Ninguém vem procurar as pessoas que chegam aqui. Ninguém sabe que estão aqui. Você é uma excessão. É por isso que é tão importante reduzir a área de busca.

Finalmente entendi. Continuamos por mais algum tempo, até que Dmitry olha para seu relógio de bolso.

— Acho que acabamos por hoje. Desculpe por deixá-la no quarto, mas precisava dessas informações antes de começar.

— Tudo bem. — Respondo, levantando da cama e indo em direção à janela. Observo a cidade iluminada.

— Você tem uma bela vista daqui. — Comento.

— Sim, você tem razão. — Ouço-o concordar, mas quando me viro para ele, Dmitry não está olhando para a janela, mas fixamente para mim, com olhos de lava incandescente. Seu olhar faz tudo esquentar entre minhas pernas, como se meu corpo se lembrasse do que aconteceu e pedisse por mais. Parece que saber que vou voltar para a minha dimensão atiça seu desejo até então controlado. E ele se controla tão melhor que eu... Mas não agora.

Sinto-o se aproximar devagar enquanto ainda fito a paisagem, um pouco ansiosa, e se encostar em mim por trás. Não deixo de me assustar com sua excitação pressionando a base da minha coluna, mas não me mexo. Aceitaria qualquer coisa que viesse dele. Respiro fundo em busca de forças.

Dmitry abaixa a cabeça e murmura em meu ouvido:

— Me dê suas mãos. Vou te levar para casa.

Sua frase é simples, mas soa como se ele estivesse prometendo me levar ao precipício, à ruína, ao fim. Minha resposta é a mesma para todas as situações.

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