Capítulo III || Dark Paradise

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Foi uma ilusão acreditar que apenas saber que meu marido estava morto era o pior que poderia me acontecer. Claro que não. O pior foi ver seu caixão, fechado para que não pudéssemos nos horrorizar com seu rosto destruído, ver a sua avó se debulhar em lágrimas amparada em uma cadeira de rodas, pedindo, implorando, que ela fosse levada em seu lugar.

Eric não tinha irmãos, foi abandonado pela mãe, a quem nunca conheceu, ainda bebê, mas ele jamais se ressentiu. Foi criado pela mais amorosa das avós, disposta a compensar o neto pela irresponsabilidade da filha.

— Não criei bem meus filhos, tinha que trabalhar muito para trazer o sustento e não pude estar presente para ensinar o certo e o errado como deveria ser. Trabalhei de babá educando os filhos dos outros enquanto os meus cresciam sem juízo. O Eric foi um presente que ganhei do Divino para poder consertar tudo. — Ela dizia sempre que se falava do passado.

Apesar do desenrolar dos acontecimentos, sua família era grande, cheia de tios e primos que foram próximos a vida toda e que compareceram ao velório em peso, assim como seus inúmeros amigos. Todos pareciam desolados. Eric era o tipo de pessoa que cativava a todo mundo. Perdi as contas de quantas pessoas vieram me desejar condolências e aproveitaram para contar situações em que meu marido as havia ajudado de alguma forma, e me dizer o quanto eram gratas a ele.

Eu, mais do que qualquer um, estava ciente da bondade de Eric, mas a cada palavra que deveria ser de consolo que escutava, sentia uma faca ser cravada cada vez mais fundo e revirada em meu peito. Por que alguém tão bom, com tantas qualidades, com uma vida pela frente e um filho por nascer era arrancado de tudo o que amava pelas garras impiedosas da morte? Eu estava sendo constantemente lembrada de que essa pessoa incrível e tão querida, que eu tinha tido a sorte de ter ao meu lado, havia partido para sempre. E era demais para suportar.

Em dado momento, minha mãe me chamou num canto:

— Você parece prestes a desmoronar, Vivian. A dor é esperada, mas é necessário que você mantenha alguma compostura e ofereça apoio aos familiares e amigos de Eric. — Ela disse, me estendendo um pote de calmantes.

Pela primeira vez desde que todo esse pesadelo começou, senti algo diferente de dor e tristeza. Uma raiva quente como ferro em brasa atravessou repentinamente minhas entranhas. Sim, ela sabe como ninguém como agir, ela manteve a compostura, chorou quando tinha que chorar e consolou a quem precisava como tinha que fazer quando meu pai morreu. Foi uma despedida rápida e com poucas pessoas, numa época em que todos eram proibidos de velar seus mortos por causa da pandemia. Ainda assim, foram muitos os que entraram em contato por telefone e chamadas de vídeo. E ela estava perfeita em seu papel.

Mas eu não era Elizabeth, e sim Vivian, e como Eric sempre me lembrou, não somos a mesma pessoa. Eu não mantive a compostura diante de meu marido morto. Eu permiti que vissem minhas lágrimas e o muco que desisti de limpar do meu nariz. Pela primeira vez, deixei que ela lidasse com isso.

Suspirando, recusei os comprimidos, dizendo que não iria tomá-los porque poderiam ser prejudiciais ao bebê. A verdade é que mesmo que pudesse, eu não os tomaria. Essa era a última coisa que seria capaz de dar àquele que amo, oferecer todo o meu sofrimento cru, sem disfarces ou entorpecimentos.

***

Os dias que se seguiram passaram num borrão. Cada um lida com a morte como pode. Eu decidi não lidar. Resolvi enganar a mim mesma agindo como se Eric estivesse numa viagem à trabalho e que logo voltaria, como sempre fizera.

Segui mantendo tudo como ele gostava e quando esbarrava em algo que fazia virem lágrimas aos meus olhos com as lembranças, eu mais do que depressa me repreendia e culpava a gravidez pelo excesso de sensibilidade. Eu não estava sofrendo por um marido morto, estava apenas chorona por conta da vida que estava gerando.

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