• 8 ou 80

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Abri a porta do quarto com cuidado, tentando evitar fazer barulho. A luz estava baixa, indicando que Carina provavelmente estava dormindo. Ela ocupava meu lado da cama, com o rosto afundado no meu travesseiro. Com passos leves, peguei um cobertor extra e outro travesseiro para me acomodar no sofá que ficava ali.

A voz suave de Carina quebrou o silêncio do quarto, surpreendendo-me.

— Maya - ela chamou.

— Desculpa - sussurrei. - Não queria te acordar.

— Eu não estava dormindo - disse, sentando na cama e acendendo a luz.

— Achei que estaria. É tarde, né? - comentei, sem jeito.

— Percebi que é tarde - ela respondeu. - Você ficou horas fora.

— Eu estava andando. Depois fiquei no terraço do hotel até agora, sozinha. Você pode verificar as câmeras. Fiquei o tempo todo aqui.

— Não preciso que me prove nada, Maya - ela falou, suspirando e deitando novamente — Só não queria ter ficado o dia inteiro longe de você, e agora você quer dormir sem mim - ela continuou.

— Foi melhor assim. Não queria brigar - comentei, sentando na beirada da cama.

— Nós vamos brigar muitas vezes, bambina. Relacionamentos são assim, e nós duas temos um gênio forte - ela disse, colocando a mão sobre a minha.

— Mas não brigas daquele jeito. Eu quis me bater por ter gritado com você - confessei.

— E eu gritei de volta - ela admitiu.

— Mas a gente não pode brigar mais assim - finalmente olhei para ela. - Meu pai gritava muito comigo, e eu odiava isso. Me sentia um lixo.

— Eu sei, bella, eu sei - ela segurou minha mão com força. - Vem deitar comigo.

Eu tirei os sapatos e a calça antes de me aconchegar sob o edredom ao lado dela. O silêncio pairava no quarto, permeado apenas pelos suspiros e olhares inquietos. Meu coração batia acelerado, e eu sabia que havia uma conversa importante à nossa frente.

— É meio idiota o que eu vou falar agora — comecei, fitando-a nos olhos, tentando expressar o turbilhão de sentimentos que me invadia. — Mas me sinto uma idiota do seu lado falando de relacionamento.

A curiosidade dançou em seus olhos, e ela me encarou, esperando que eu continuasse.

— Por quê? — indagou, buscando entender o que se passava em minha mente.

— Você tem experiência, sabe como lidar com as situações, e eu só sinto que vou estragar tudo a qualquer momento e provavelmente vou.

Seus dedos tocaram suavemente meu rosto, numa tentativa de transmitir calma e compreensão.

— Não fala assim, Maya — disse, sua voz suave acariciando o ambiente tenso. — Pra um primeiro namoro, você está se saindo muito bem.

Um riso nervoso escapou de mim.

— Você está falando isso pra me agradar — admiti, tentando aliviar a tensão com um sorriso.

— Claro que não — respondeu ela, com sinceridade nos olhos. — Você é dedicada, me trata bem, é parceira.

Seus elogios soavam como um bálsamo para a minha insegurança. O calor de suas mãos e a proximidade reconfortante indicavam que, apesar das diferenças, estávamos juntas em qualquer situação.

— Isso é porque é com você. Eu faço tudo pra você estar feliz.

Ela me olhou intensamente, e a expressão genuína de felicidade em seu rosto fez meu coração se acalmar um pouco.

— Eu sou muito feliz — declarou ela, deixando transparecer um sorriso radiante.

— Até quando eu sou teimosa? — questionei, buscando um momento leve para aliviar a atmosfera carregada.

Um riso compartilhado preencheu o quarto.

— Quando você é teimosa, eu sou um pouquinho menos feliz — confessou ela.

— Andy deu uma bronca na gente — mencionei, recordando a ligação com a minha melhor amiga. — Perguntou quantos anos nós tínhamos pra transformar uma coisa pequena numa briga gigante.

— Ela não está errada — admitiu Carina. — Eu estava aqui criando várias teorias, que você iria embora sem voltar agora pra se despedir de mim, ou que iria voltar aqui pra cancelar o pedido de casamento.

— Como é dramática, meu Deus — comentei, rindo da sua imaginação. — Como eu iria embora sem passaporte?

— Então cancelar o casamento era uma opção? — ela falou, exibindo um biquinho adorável.

— Carinaaaa — chamei, buscando seu olhar. — Eu que te pedi em casamento e quero isso, não vou cancelar.

— Eu tenho complexo de abandono — confessou ela, revelando um lado mais vulnerável.

— Eu te amo, não vou te abandonar — falei, encostando meu nariz no dela com um carinho silencioso que transcendia as palavras.

— Não me olha assim — ela disse, sorrindo com um misto de timidez e fascinação.

— Porque? — perguntei, mantendo o olhar fixo nos seus olhos que pareciam guardar todo um universo.

— Seus olhos me intimidam muito — admitiu, revelando um lado sensível que poucos tinham a oportunidade de conhecer.

— É a intenção — brinquei, iniciando um beijo lento e carregado de afeto.

Era uma noite que se perdia na suavidade do silêncio, nossos corpos exaustos após o turbilhão emocional que vivemos nas últimas horas. Carina, beijava todo o meu pescoço e desabotoou o primeiro botão da minha blusa.

— Eu quero só dormir agarradinha com você — murmurei, desviando levemente seu toque.

— Tá com febre? — indagou rindo, colocando a mão na minha testa fingindo medir minha temperatura — Você negando fogo.

— Não estou negando fogo — retruquei, sorrindo — Só quero ficar grudadinho, só com amorzinho.

— Se o nosso bebê puxar a nossa personalidade, vamos ter tanto trabalho — ela comentou do nada.

— Incrível como você muda o assunto de 8 a 80 em instantes — comentei, apreciando sua espontaneidade.

— Ué — rebateu, mantendo o bom humor — Você disse que não queria.

— Quero que nosso bebê seja parecido com você, nada do doador — declarei, expressando as coisas que eu pensava a muito tempo.

Ela levantou uma sobrancelha, indicando curiosidade e encantamento diante da minha confissão.

— Tem uma superstição que diz que se você pegar raiva de alguém na gravidez, o bebê nasce parecido com essa pessoa — ela falou dando um sorriso leve

— Eu acredito — falei — Minha mãe teve muita raiva do meu pai, e nós somos a cara dele.

— Então vou ficar longe da estação — brincou — Não quero um bebê a cara do Gibson.

Minha gargalhada espontânea ecoou no quarto, enquanto admirava a capacidade dela de descontrair momentos sérios. Aquela mulher incrível conseguia transitar entre a seriedade e a leveza com uma maestria que me encantava.

— Sério, você não existe — disse, rindo entre suspiros de satisfação.

Safe Place - Marina Onde histórias criam vida. Descubra agora