23. Só um dever

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— Eu fui tão burra! — lamentei, me jogando na cama de Laríh. Tínhamos acabado de chegar na hospedaria, em um dos povoados menores de Fortuna, e assim que entramos no quarto comecei a despejar minhas lamúrias em cima dela. — Acreditei que com ele tudo seria diferente, que poderíamos fazer o casamento dar certo, mas... agora terei que ser Princesa, Laríh! Logo eu, que nunca quis nada disso!

— Você realmente tem uma sorte impressionante — ela falou, sentada na beirada da outra cama de solteiro, surpreendentemente tranquila depois de tudo que contei. — E sinceramente, não sei se isso é bom ou ruim.

— É péssimo. — Cobri o rosto com as mãos. — Eu não servia nem para ser uma Lady, quem dirá a Princesa!

"Meu nome é Marshall Theodore. O Príncipe Herdeiro de Lux."

Argh, só a lembrança fazia meu estômago revirar.

Mas me sentei num salto, só naquele momento me dando conta da outra parte do problema. Como se já não fosse o suficiente.

Príncipe Herdeiro. Herdeiro.

— Ah, não... — choraminguei. — Isso quer dizer que... um dia... eu serei...

— Rainha? — Laríh encolheu os ombros, como se lesse minha mente. — Ao que tudo indica...

Não. Definitivamente não. Não!

— Se acalme, Clarissa. — Se levantou, me puxando pela mão e me fazendo ficar de pé também. — Você já passou por muito estresse em pouco tempo. Está cansada, e não vai te fazer bem nenhum surtar mais uma vez.

Suspirei, e não impedi quando ela me colocou sentada em um banquinho. O quarto era simples, sem penteadeira, apenas um pequeno espelho na parede, uma cômoda e um banheiro anexo, mas Laríh não pareceu se importar enquanto começava a soltar a tiara e os vários grampos do meu cabelo.

— Vamos, eu te ajudo a se preparar para dormir. Tenho certeza de que vai se sentir bem melhor depois que se livrar dessa roupa pesada e tomar um banho.

Não respondi, me remoendo por dentro enquanto seus dedos ágeis e delicados trabalhavam. Sabia que Laríh nunca tinha desempenhado aquele papel antes, mas entendia o suficiente da vaidade feminina para não precisar de auxílio.

— Me perdoa - murmurei depois de um tempo, várias mechas do meu cabelo agora soltas. — Por ter te envolvido em tudo isso.

— Não lamente — falou baixinho e, pelo som, sabia que exibia um sorrisinho. — Sei que está assustada com tudo, mas... eu não me importo. De ir para o palácio.

— Talvez te tratem como uma empregada qualquer.

— Ainda é melhor do que aquele bordel — sussurrou. — Qualquer coisa é melhor do que aquilo.

Levantei a cabeça, a olhando com cuidado por cima do ombro.

— Eles eram cruéis com você? Os... homens?

Seus olhos estavam fixos no meu cabelo, mas vi quando ficaram sombrios.

— Depois que virei a estrela do Moulin Rouge, consegui ter certo controle do que acontecia. Com quem me envolvia. Mas, no começo... sim. Alguns eram bem cruéis.

Meu coração apertou por ela. Só de imaginar passar por algo do tipo, ficava apavorada. Mas Laríh...

Laríh viveu aquilo.

Sim. O palácio era o lugar mais seguro para ela.

— Estou com medo — confessei num sussurro. — Martynes... meu marido disse que, para o casamento ser válido, e para que ele possa cumprir a promessa que me fez, precisamos... cumprir nosso dever matrimonial. Mas estou com medo.

Por mais que soubesse o que aconteceria... por mais que minha mãe tivesse me assegurado de que não era algo ruim ou perigoso...

— Eu entendo — Laríh falou, gentil, soltando o último grampo. — A primeira vez é assustadora mesmo.

— Não é só isso, é que... tem tanta coisa envolvida, que não consigo enxergar como algo além de uma obrigação. Acho que ele também, mas... não deveria ser assim. E, além do mais... — baixei o olhar — parte de mim ainda está magoada. Com as mentiras.

Laríh suspirou, pegando uma escova de cabelo em seu malão aberto e começando a passá-la pelos meus fios.

— Lamento te frustrar ainda mais, mas os homens são assim mesmo. Mentem com a mesma facilidade que respiram.

Fiz uma careta, mas não respondi. Estava começando a perceber por conta própria.

Laríh trançou meu cabelo e o prendeu em um coque simples e improvisado atrás da minha cabeça, e me ajudou a sair do vestido de noiva enquanto a banheira enchia com água quente.

Que os Arquimagos abençoassem a mente brilhante que inventou a água encanada e o aquecimento a gás.

— Não é ruim — minha amiga murmurou de repente, sentada distraída num banquinho ao lado da banheira enquanto eu me ensaboava. Tinha deixado o glitter e os sapatos para trás, os cachos dourados presos em uma trança lateral e usando um vestido verde simples, mas mesmo sem as maquiagens e cosméticos, era uma das mulheres mais lindas que eu já tinha visto. — Se você gostar dele, mesmo que só um pouquinho... e se ele for gentil... não é ruim.

Parei o trabalho com a esponja, a olhando com cuidado. E abri a boca para perguntar, mas Laríh se ergueu num salto, murmurando que iria atrás de Viktor para buscar minha mala, e que voltava logo.

Suspirei, voltando a esfregar meus braços e pernas, pensando em tudo e em nada e sentindo o cansaço da viagem e de todas aquelas emoções intensas começando a pesar em meus músculos, quando a porta do quarto voltou a se abrir.

— Foi mais rápido do que pensei — comentei.

— Clarissa? — A voz de Martynes me fez dar um pulo, mas logo me encolhi dentro da água, afundando até o queixo.

Raios, o que ele queria agora?!

— Não entre aqui!

Estava de costas para a porta do banheiro, mas senti quando ele se aproximou.

— Eu só queria...

Não entre aqui! Quase afundei até a cabeça na água. — Ou juro que te afogo!

— Alteza. — Laríh voltou, e seu tom de voz parecia surpreso. Me encolhi à menção do título, e por mais que não enxergasse, quase senti meu marido fazer o mesmo. — Estou ajudando Clarissa a se preparar para dormir. Precisa de alguma coisa?

— Não. Quero dizer, sim. — Seus passos se afastaram do banheiro. — Por favor, quando terminar... peça que Clarissa vá até meu quarto. Estou instalado no final do corredor.

— Eu posso te ouvir, sabia? — resmunguei, em alto e bom som.

Mas ele me ignorou.

— Com licença — falou com toda a tranquilidade antes de sair, fechando a porta.

Bufei, lutando contra a vontade de chutar água para longe.

Só um dever. Uma obrigação. Não seria nada além disso.

Eu não seria nada além disso.

"É só isso que ela é para você, não é, soldado? Uma tarefa. Um dever. Mas realmente enxerga a pessoa que existe por trás?"

Que ironia cruel.

— Clarissa? — Laríh chamou com cuidado, entrando no banheiro. — Ah, florzinha... — Sentou na borda da banheira, afagando minhas costas enquanto eu apenas abraçava os joelhos e começava a soluçar baixinho, minhas lágrimas silenciosas se misturando à água quente que me cercava. — Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem...

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