Tudo bem, chega de enrolar. Ia acabar com aquele noivado naquela noite. Não em dois ou três dias.
Hoje.
Meu último encontro no Moulin Rouge tinha rendido um belo rumor pelas ruas no centro da cidade, o que era ótimo para tornar tudo ainda mais convincente, mas eu precisava de mais. Mais cochichos, mais espanto. Mais escândalo.
Então, assim que deixei Lady Clarissa em casa, fui correndo ao bordel para colocar meu novo plano em ação. Ainda estávamos no meio da tarde, e o estabelecimento estava fechado, mas Laríh me recebeu quando anunciei minha presença ao segurança, me analisando com olhos desconfiados e curiosos.
— Perdão? — Piscou quando ouviu meu pedido, sentada na banqueta enquanto se maquiava em seu camarim. E me olhou por cima do ombro com uma careta confusa. — O senhor quer que eu faça o quê?
— Jante comigo — repeti. — Esta noite. No restaurante mais caro e famoso da cidade. Eu pago tudo — acrescentei rapidamente. — Diga seu preço, e pago cada centavo.
Laríh largou o rímel e girou na banqueta, ficando de frente para mim.
— Por quê? Com certeza sabe que não sou bem-vista fora dos domínios do Moulin Rouge. O que espera conseguir me exibindo em público para que toda Amare veja?
Suspirei com força.
— Com sorte, libertar tanto a mim, quanto minha noiva, de um compromisso que nenhum dos dois quer.
Laríh semicerrou os olhos de leve, se levantando devagar. Ainda mais curiosa.
— Talvez consiga isso, mas vai arrumar um problema enorme para a cabeça também, sr. Martynes.
— Sim, mas vou me livrar de um problema ainda maior. Se deixar esse casamento acontecer, minha noiva me mata. E, com todo respeito, prefiro ser alvo de fofocas por ser visto com a senhorita do que literalmente perder a cabeça.
Ela bufou uma risada, sacudindo a cabeça. Mas voltou a erguer o olhar, a postura ereta, quando falou:
— Muito bem. Se é isso mesmo que quer... eu te ajudo. Mas que fique claro que não vou cobrar barato. Vai precisar compensar toda uma noite de trabalho perdido aqui.
Sorri, mais que satisfeito.
— Creio que isso não será problema, srta. Laríh.
ͼϹͽ
Cheguei cedo no restaurante, usando a melhor roupa que tinha levado na mala, escolhi uma mesa bem no centro do salão cheio, e aguardei. Seria melhor, causaria mais impacto, se Laríh chegasse sozinha e viesse até mim.
Não queria que pensassem que estávamos juntos em algum tipo de compromisso romântico, então, daquela forma, o teatro de "amantes" seria mais convincente. O sem-vergonha do sr. Martynes, noivo da filha do Marquês, visto entrando em um quarto com uma dançarina em um dia, e saindo com a estrela do bordel em outro.
Se aquilo não resolvesse o problema, só me restaria fugir. E largar Lady Clarissa à própria sorte. Não queria ter que chegar a esse ponto, então precisava desempenhar bem o meu papel naquele jantar. E acabar de vez com a minha imagem.
"Enquanto você pode sair por aí e decidir com qual mulher vai se divertir, eu corro o risco de perder tudo por causa da droga de um mal-entendido", as palavras me vieram à mente enquanto observava ao redor.
Realmente. Eu estar ali sozinho não chamava a atenção de absolutamente ninguém, mas sabia que se fosse ela no meu lugar, já estariam fofocando e a julgando com olhares.
Uma mulher não podia fazer praticamente nada sozinha. Tinha sempre que estar acompanhada, quieta e obediente, ou a veriam com maus olhos.
Que ridículo.
"Enquanto você pode se dar ao luxo de se apaixonar por uma droga de uma dançarina... eu não posso sequer escolher com quem vou me casar e passar o resto da minha vida."
Suspirei. Esperava de verdade que, depois que aquela história toda de noivado acabasse, ela conseguisse dar um jeito de ficar com seu precioso soldado. Se bem que... depois da nossa última conversa, já não tinha mais tanta certeza de que aquele metido de farda fosse tão perfeito assim. Se Clarissa tinha medo, e acreditava que corria o risco de ser ridicularizada por seus gostos e vontades... acabaria se tornando apenas mais uma sombra atrás do marido.
E, seguindo essa linha de raciocínio... pensei na garota do bordel. Ela provavelmente estava passando por algo parecido, presa no papel de boa moça durante o dia e se escondendo daquele jeito à noite para ter o mínimo de liberdade.
Não sabia o que aqueles homens tinham na cabeça, mas eu com certeza não me importaria nem um pouco de ter alguém de gênio forte e espírito selvagem ao meu lado. Que graça havia numa mulher que mal abria a boca e tinha apenas permissão de sorrir como uma boneca o tempo todo?
Não que estivesse pensando em casamento, mas... se oferecesse uma saída à minha donzela misteriosa, se a chamasse para ir embora comigo... será que aceitaria?
— Sr. Martynes? — alguém falou de repente, me arrancando do devaneio, e ergui o olhar. Era um garçom. — Ficamos sabendo que viria, então preparamos uma mesa especial para o senhor. Por favor, me acompanhe.
— Eu não pedi nenhuma mesa especial. E aqui está perfeito, obrigado.
— Por favor, eu insisto. O chef insiste. Apenas o melhor para o futuro marido de Lady Clarissa. Tornaremos o jantar de vocês ainda mais especial.
Cacete. Estavam pensando que eu jantaria com ela.
Mas, pensando bem... quão escandaloso o cenário ficaria quando Laríh aparecesse ao invés da filha do Marquês? Em uma mesa especial.
— Bom, se o chef insiste... — Tentei segurar o sorriso oportunista enquanto o seguia.
No entanto...
Estranhei quando seguimos até os fundos do salão, entrando em um corredor longo, e o garçom continuou em frente, até o final.
— Não quero bancar o espertalhão que diz o óbvio... — falei com cuidado — mas, geralmente, não existem mesas em salas fechadas no fim de um corredor.
— São exclusivas — ele respondeu apenas, abrindo a porta e me dando passagem. — Por favor.
Não estava com um pressentimento muito bom, mas entrei de qualquer modo, meus olhos se ajustando lentamente à baixa iluminação.
E, é claro, a porta se fechou com um estrondo atrás de mim.
— Maldição... — sibilei, pronto para sacar a adaga escondida na bota, mas fui empurrado contra a parede de repente, com uma força assombrosa, um braço me segurando no lugar pela garganta.
— Obrigado por aceitar meu convite, sr. Martynes. — Reconheci os olhos dourados chispando fogo à meia-luz... não de Clarissa. Do Marquês. — Vamos ter uma conversinha, só eu e você.
Ah, caralhos...