Abri a janela, o sol da manhã que ainda nascia banhando o quarto de luz e esquentando meu rosto. Era uma sensação bem-vinda, e me permiti alguns segundos de puro deleite, deixando meus olhos se acostumarem à claridade conforme observava o horizonte, o vale coberto de neblina que se erguia além da cidade.
A rua de lajotas na frente de casa estava vazia, ainda coberta pelas sombras dos casarões que a rodeavam, e vi um gato se embrenhar no jardim da vizinha da frente, deslizando sem dificuldade pelo portão de ferro.
Sorri. Queria eu ser tão silenciosa e fluida quanto um felino.
— Lady Clarissa? — A empregada bateu de leve na porta antes de abrir, e fez uma mesura. — Bom dia, milady. O café já está pronto, e sua mãe pediu encarecidamente que se apressasse. Os compromissos de hoje serão importantes e muito corridos.
Bufei, ato muito pouco cortês, mas inevitável.
— Obrigada, Laura. Só vou me lavar, e já desço.
— Precisa de ajuda para se vestir?
— Não, estou bem. — Virei o rosto para o sol mais uma vez, a sensação quente me reconfortando. — Por favor, diga à minha mãe que não demoro.
Esperei que ela saísse e soltei o fôlego, o gato no jardim arrancando uma begônia do canteiro da vizinha sem escrúpulos ou misericórdia.
Queria ser um gato, mas no momento me sentia aquela pobre flor.
Arrancada de suas raízes e a ponto de ser destroçada. Pelo Duque a quem seria prometida em casamento, em apenas algumas horas.
ͼϹͽ
— Bom dia, papai. — Entrei na ampla sala de jantar e fui até ele na cabeceira da mesa, o cumprimentando com um beijo na bochecha. — Notícias de Apóllon? — Quem sabe um anúncio relâmpago de um certo Duque que se casou às escondidas e me livrou do sufoco?
— Bom dia, minha flor. — Me beijou de volta, sorrindo com carinho, e sentei no lugar de sempre à sua esquerda, a mesa farta repleta de bolos e frutas. Coloquei rapidamente um pedaço de bolo de chocolate no meu prato, antes que minha mãe aparecesse e o confiscasse. — Sem notícias da capital, infelizmente. O Duque continua viajando a negócios, e só volta daqui a dois meses. Mas não se preocupe, vocês não precisam estar cara a cara para o noivado ser oficializado. Basta que seu representante aceite os termos e oficialize o acordo. Fácil assim. — Me lançou uma piscadela e levou a xícara de chá aos lábios.
Suspirei delicadamente pelo nariz. Não dava para chamar aquilo de noivado. Era um negócio. Um acordo com finalidades políticas. Uma "união de forças", já que nós dois fazíamos parte da Nobreza.
Eu nem conhecia aquele Duque.
Mas, por mais que soubesse que meus pais me amavam muito, e desejavam de verdade que eu fosse feliz naquele casamento... não mudariam de ideia se dissesse que não queria me casar. Não cancelariam o arranjo, não me livrariam daquele noivado.
Até porque, o que mais a filha do Marquês poderia desejar, não é mesmo? Casar com o Duque de Apóllon, que só estava abaixo do Rei de Lux, era praticamente o sonho de todas as moças do reino. Deveria ser o meu também.
Só tinha um probleminha. Com nome e patente.
Kyle, um dos soldados que estavam sob a jurisdição do meu pai na província de Amare, onde residíamos, e membro da nossa guarda pessoal. O homem com quem eu realmente queria ter um futuro.
Um soldado recebia bem, era uma das melhores opções de pretendente para as moças sem títulos nobres, mas para mim... para a posição da minha família... não seria nada menos do que um escândalo.