41. Descuidado

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Filipe corria. Como nunca tinha corrido na vida, e como esperava nunca ter que correr de novo. Seus pulmões estavam em brasa, as coxas ardiam, as costelas doíam tanto pela corrida frenética quanto pela luta de mais cedo e uma mistura de suor e sangue pingava de seu rosto. Mas não ousava parar. Não podia parar.

Estava sendo perseguido. Por criaturas horrendas, centenárias, e indiscutivelmente corrompidas, com mais de uma cabeça virando para todos os lados, gritando e berrando à medida que o caçavam. A Mãe Terra jamais teria criado tal coisa, e apesar de serem um bando de malucos perturbados, a Realeza Obscura ainda não tinha chega naquele nível profano de criação.

Aquelas coisas já estavam lá, já habitavam a terra antes dele ou de qualquer outro de sua geração sequer pensar em existir, e eram rápidas. Famintas. E nem um pouco misericordiosas. E era por isso que precisava continuar correndo, por mais que seus pulmões ameaçassem explodir. Caso contrário, apostava que até seus ossos seriam devorados.

"Por favor, não vá", as súplicas de Lottie ecoavam em sua mente em meio ao frenesi, apenas para lembrá-lo da burrice que tinha cometido. "Finalmente temos a chance de ser uma família completa e feliz, não arrisque tudo desse jeito apenas por rebeldia."

Devia ter escutado a irmã. Deuses, devia ter ficado quieto e aceitado a droga do noivado ao invés de se voluntariar para uma missão suicida daquelas. Era pelo bem do reino, sim, e não apenas uma rebeldia qualquer ao contrário do que Lottie acreditava, mas podia pelo menos ter se casado e garantido a linhagem da família antes de entregar sua cabeça para o inimigo em uma bandeja daquele jeito.

"Se essa Lady realmente for a pessoa certa para mim, vai me esperar e perdoar meu atraso", foi sua resposta provocativa e convencida antes de ir atrás de Clóvis, antigo conselheiro do Rei e amigo íntimo de seu falecido pai, para pedir que cuidasse de tudo em seu lugar enquanto estivesse fora. Lottie era inteligente, e se tornaria uma Duquesa perfeita, mas ainda era nova demais para assumir a responsabilidade de cuidar de Apóllon sozinha.

Desviou de galhos secos e pontudos no meio da floresta escura e morta, o ar anormalmente gélido dificultando sua respiração e castigando sua pele, mal conseguindo enxergar em meio ao breu do céu noturno nublado enquanto os guinchos agudos e estridentes de seus caçadores ecoavam mais perto do que gostaria de confessar.

Impostor! Impostor! — era o que gritavam a toda e qualquer alma penada que tivesse capacidade de ouvir. — Peguem o impostor!

Esperar por ele... pobre Lady de Amare. Se não conseguisse encontrar um esconderijo logo, não restaria nem sua carcaça para chamar de "noivo". Tentou usar o sinal de emergência diversas vezes desde que fora descoberto, para que seus aliados dessem um jeito de tirá-lo rapidamente dali, mas algo devia ter acontecido. O socorro nunca veio.

Chegou nos limites da floresta, tropeçando nos próprios pés e praticamente se jogando para fora... e derrapou, desacelerando no último segundo antes de despencar no precipício à sua frente. Apenas uma escuridão densa e infinita o encarava de volta. Escuridão, e o som das ondas do Marine quebrando lá embaixo, contra rochas escuras e pontiagudas.

Estava nos limites do território. Encurralado.

Impostor! — os guinchos chegaram até ele, Filipe se virando devagar com as mãos levemente erguidas. Tinha perdido suas lâminas quando se viu obrigado a negociá-las com um Gigante vagabundo em troca de informações, e agora estava completamente desarmado.

— Ora, ora... — ofegou, o peito subindo e descendo pesada e perigosamente, mas conseguiu a proeza de exibir um sorrisinho convencido de canto de boca. — Cinco contra um é de uma certa covardia, não acham?

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