Rikie olhava ao longe na praia, até onde a vista do horizonte alcançava, sua atenção fixa na silhueta sutil e quase imperceptível da pequena ilha no meio do mar, onde Scire mantinha uma base militar para monitorar mais de perto as fronteiras de Tenebris.
— O Barão não está contando tudo que sabe. — Pietro parou ao seu lado, ombros eretos e mãos juntas nas costas, também olhando ao longe para não chamar a atenção dos soldados scirianos.
— É uma acusação muito séria de se fazer — retrucou, mantendo a voz baixa.
Pietro o encarou pelo canto dos olhos escuros, do mesmo tom do cabelo, sempre tão contrastantes com a pele pálida.
— Já estamos aqui há uma semana, Rikie. E, ao mesmo tempo em que o Barão insiste que não aconteceu nada de diferente, não nos dá permissão para ir até aquela ilha. Ele está escondendo algo — completou, reforçando sua teoria.
Sim, Rikie sabia. Ainda mais porque era para aquela ilha que as novidades sobre o Duque de Apóllon, infiltrado no lado inimigo, passavam antes de chegar até o palácio.
Mas não podiam simplesmente acusar o Barão. Não, precisavam de provas concretas antes de levar suas suspeitas ao Rei. E era por isso que ainda não tinham ido embora, por que insistiam em ficar apesar de tudo parecer em ordem. Precisavam dar um jeito de cavar mais fundo e descobrir o que todos ali pareciam esconder.
Rikie respirou fundo, soltando o ar lentamente pelo nariz. Se ao menos o general estivesse ali... ele, sim, saberia o que fazer, como proceder. Bolaria a estratégia perfeita, fria e calculista, para fazer o Barão morder a isca. No entanto, o poder da escolha estava nas mãos de seu imediato. O soldado mais experiente e habilidoso do Exército Alado depois do general. Mas, ainda assim...
Droga, Rikie não passava de um garoto de 17 anos.
— Qualquer tentativa de contatar o palácio será vista com maus olhos — concluiu, mantendo os olhos fixos na sombra longínqua da ilha. — Precisamos pensar por conta própria em um jeito de investigar.
— Saltar seria de grande ajuda. — Pietro encolheu os ombros, insistindo naquele plano pela milésima vez.
— Seria arriscado — retrucou. — Não sabemos o que há naquela ilha, se formos sem autorização e dermos de cara com um pelotão armado, podemos muito bem sofrer consequências nada agradáveis.
— Tudo bem, tudo bem... — o companheiro bufou.
— E Bea? Ainda não descobriu nada?
A pobre soldada tinha assumido a tarefa de acompanhar e paparicar a Lady de Scire para arrancar informações. Parecia mais um castigo do que um dever, mas Beatrice sabia fazer bem seu trabalho. E seria bem recompensada quando aquilo tudo terminasse.
— Não, até onde eu sei. — Pietro fez uma careta desconfortável. — E não deve ser muito difícil imaginar por que não fiquei muito mais tempo na casa do Barão para descobrir.
Rikie soltou uma risada baixa.
— Só assim para você dar um espaço a Beatrice. Talvez ela considere essa tarefa um alívio — alfinetou, e o soldado fechou a cara.
— Talvez Jolie pense o mesmo de você, longe por tanto tempo — devolveu, sutil como um coice de cavalo. — Talvez aquele novato bobalhão que o Príncipe trouxe em seu retorno a distraia o suficiente para que volte a te ignorar completamente.
— Pietro... — avisou, encarando pelo canto do olho. — Cuidado.
No entanto, não tiveram tempo de sair rolando na areia aos socos quando o som da carruagem que se aproximava pela orla chegou até eles. Os dois se viraram, apenas a tempo de ver Lady Racchel saltar para fora em seu vestido púrpura imenso de babados, o cabelo dourado preso em um coque repleto de contas, tranças e penas, e marchar até a tenda da base militar onde seu pai se encontrava, os olhos azuis furiosos e chispando fogo enquanto chutava a areia.
Tanto Rikie quanto Pietro se apressaram em se aproximar, assim que Beatrice também saiu da carruagem.
— Ela está furiosa — falou apenas, os olhos arregalados, enquanto se apressava atrás da Lady, uma mão sempre apoiada no cabo da espada presa ao quadril. — Notícias sobre um certo casamento.
Rikie e Pietro sibilaram, xingando baixinho, e o trio praticamente correu para dentro da tenda, alta e espaçosa, onde o Barão e seus soldados se reuniam para discutir estratégias e distribuir tarefas.
Não perderiam aquele show de escândalo por nada.
— Mas o que é isso? — O Barão, um homem alto e corpulento de meia idade, cavanhaque e cabelos grisalhos, arregalou os olhos severos quando viu a filha entrar feito um furacão. — Racchel, que droga você está...
— ELE SE CASOU, PAPAI! — berrou, arrancando o xale dos ombros com força. — Marshall se casou!
O nobre empalideceu, como se tivesse levado um soco no rosto.
— O quê? Racchel, minha filha, está delirando.
A Lady, no entanto, amassou o xale nas mãos como se fosse uma bola de canhão e o arremessou com força contra o pai. E os soldados que se reuniam com o Barão sabiamente dispararam para fora.
— Acabaram de chegar notícias de Apóllon, papai. Kalyanlíon anunciou oficialmente a união do Príncipe... — trincou os dentes, praticamente cuspindo — com a Lady de Amare.
Um minuto de silêncio se passou, enquanto as palavras se assentavam no cérebro do Barão.
— Eles...
— Se casaram há duas semanas! — Lady Racchel explodiu, lágrimas de raiva enchendo seus olhos. — O senhor prometeu, papai! Prometeu que eu me casaria com ele, prometeu que estava tudo arranjado para que eu fosse a Princesa!
— Saiam — Rikie murmurou de repente para os dois amigos, mal ousando se mexer. — Saiam devagar, sem chamar atenção do Barão.
— O quê? — Beatrice o mirou de lado, o cenho franzido.
— Por quê? — Pietro completou, igualmente cauteloso.
— Apenas saiam — insistiu, começando a recuar devagar para a entrada da tenda.
Se estivesse certo sobre o que aconteceria a seguir...
— Mas isso é um absurdo! — o Barão bradou, a palidez se tornando um vermelho vívido de raiva. — De onde saiu essa Lady? Que acordos políticos Apóllon poderia conseguir com Amare? Inferno, é a segunda vez que aquele pilantra do Theodore nos passa a perna!
— Ora, mas que audácia... — Bea grunhiu baixinho diante do desrespeito explícito contra o Rei, apertando o cabo da espada com mais força.
— Continue recuando — Rikie alertou, a segurando pelo pulso.
— Os cochichos dizem que vai haver uma Coroação. — Lady Racchel bateu o pé. — E que a Família Real vai convocar toda a Nobreza para estar presente. Uma humilhação ainda maior, papai! Além de nos passarem a perna, nos obrigarão a assistir aquela usurpadora tomar meu lugar! Minha coroa!
— Isso não vai ficar assim. — O Barão cerrou os punhos. O trio observava com cuidado do lado de fora da tenda agora. — Não vamos ficar aqui sentados esperando convocação nenhuma. Resolveremos isso pessoalmente, antes que prossigam com esse circo. Eles não nos passarão para trás de novo, minha filha. Isso eu posso garantir!
— Vamos. — Rikie puxou os amigos, se escondendo nas sombras da lateral da tenda, bem na hora em que Barão e filha saíram marchando pela areia até a pequena estrada de terra batida na orla onde a carruagem aguardava.
— Por que fez isso? — Beatrice perguntou, mantendo a voz baixa por segurança.
— O que está tramando? — Pietro semicerrou os olhos, desconfiado.
— Não percebem? — Rikie sorriu, observando conforme a carruagem disparava e sumia de vista. — Agora o Barão só tem cabeça para o casamento do Príncipe. Ele e a filha vão correndo para Apóllon.
— E? — O amigo franziu as sobrancelhas, pouco convencido.
— Ele nem sequer se lembrou de nós. E vamos permanecer assim, na surdina, até que saiam de Scire. — Seu sorriso cresceu. — Enquanto estiverem fora... poderemos dar um jeito de investigar aquela ilha sem qualquer empecilho.