Freya jogou o último punhado de terra sobre o túmulo de Locke, túmulo esse que teve que cavar com as próprias mãos já que tudo ao seu redor estava morto.
"Sei que mereço a morte pelo que fiz..."
Limpou o suor da testa, respirando fundo, e ergueu o olhar. O Monte Élfico sempre fora um lugar lindo, um reino todo feito de natureza, cores e vida, mas agora não passava de uma montanha rochosa e estéril.
A magia não funcionava mais ali. Mas seria um bom lugar de descanso para seu amado, um lugar silencioso que guardava em suas raízes o sonho lindo de um casal apaixonado que lá planejava passar o restante de suas vidas.
"Mas prometo que vou te encontrar de novo, fadinha."
O sonho agora estava enterrado junto com Locke, mas talvez um dia a terra se curasse. Talvez, a grama voltasse a crescer e as flores voltassem a colorir o monte. Talvez o sol se lembrasse de brilhar naquele pedaço esquecido e abandonado. E então, o Arquimago mais novo finalmente poderia ter sua tão desejada paz.
Freya olhou para o monte remexido de terra ao pé da montanha, o rosto cansado de chorar agora vazio de emoções. Faltava uma lápide.
Sabia que não poderia colocar seu nome, mas Locke merecia ao menos algo que indicasse que havia alguém digno de respeito descansando ali. Suas últimas horas no mundo foram uma catástrofe, mas durante toda a vida ele fora um homem bom. Amável. Um guardião sincero que zelava por seu povo.
"Independente do lugar... do tempo... da reencarnação..."
Freya olhou ao redor, procurando uma pedra grande o suficiente para servir de memorial... quando ouviu relinchos vindo do céu.
Olhou para cima, para aquela imensidão cinzenta e nublada, e se não fosse pelo vazio constante dentro do peito teria se surpreendido, e até mesmo se assustado, ao ver o que parecia ser um Backhast esquelético que, ao que tudo indicava, deveria estar morto.
O ser espiritual, no entanto, sobrevoava os céus com suas asas pontudas e encouraçadas, os ecos de seu relincho lembrando lamentos de almas amarguradas, e aterrissou bem diante dela.
- Entei - falou, reconhecendo a sela de seu falecido cavaleiro. E assentiu com a cabeça em sinal de respeito.
A criatura relinchou mais uma vez, raspando uma pata na terra, e assentiu de volta.
- O que faz aqui? - Freya inclinou levemente a cabeça, observando com curiosidade os olhos brancos e leitosos. A mudança que aquela Magia Profana fez no pobre cavalo foi cruel, mas não podia negar que existia certa beleza. - Pobrezinho, ninguém considerou tirar essa sela de você?
Entei apenas continuou mirando seu rosto.
Freya se aproximou com cuidado, sempre com respeito e reverência, mas assim que ergueu as mãos para soltar as fivelas... viu em um dos bolsos da sela. A coroa do Arquimago mais velho.
- O que... Entei, por que isso está com você? - Ergueu o olhar.
Ele não se mexeu, se limitando apenas em assentir com a cabeça sem parar, até que Freya continuou olhando e reconheceu o escudo e a espada, presos do outro lado do Backhast.
E finalmente entendeu.
- Você os está reunindo - sussurrou.
"Eu vou te encontrar."
Entei relinchou, batendo as patas impacientemente.
Certo.
Freya pegou a adaga presa na cintura, seus olhos sendo atraídos quase que imediatamente para o rubi encrustado, mas foi quando mirou a lâmina afiada que sua visão embaçou. Fora com ela que...
"Vou consertar o que fiz."
Fechou os olhos. Mandando tudo de volta para dentro. E, sem se permitir olhar mais uma vez, a enfiou em um dos bolsos da sela de Entei.
- Cuide bem dela - sussurrou. - De todos eles. Esses tesouros não podem cair em mãos erradas, Entei. Caso contrário... - Não se permitiu continuar. Não quando tudo ainda era muito recente. - Aqui. - Tirou a corrente dourada do pescoço, guardando junto com a adaga. - Vai precisar disso também. Tome cuidado. - Acariciou o pescoço longo, ossudo e frio.
O Backhast virou a cabeça na sua direção, a empurrando de leve com o focinho, até que batesse contra seu flanco.
Freya sacudiu a cabeça.
- Eu não posso ir com você. Não posso... não me aceitariam lá. Além do mais... - Olhou para o túmulo, para a montanha. - Aqui é a minha casa. E Locke precisa de mim.
"E finalmente... vamos poder..."
Entei relinchou mais uma vez, lamentando, mas não insistiu. Apenas se afastou alguns passos para pegar impulso e saiu voando, rondando o castelo agora sombrio no topo do Monte Élfico enquanto os ecos melancólicos de seus relinchos caíam sobre Freya como uma última despedida. E desapareceu na névoa.
- Adeus, amigo - sussurrou, aquela coisa em seu peito sentindo uma pontada de dor. De alguma forma, sabia que nunca mais o veria.
Encontrou uma pedra adequada e a arrastou até o túmulo, usando um graveto quebrado e pontiagudo para escrever no musgo o memorial de Locke. Não seu nome, mas o que ele teria sido caso o destino tivesse tomado um rumo diferente. O que ele teria sido se aquele sonho tivesse se realizado.
Rei dos Elfos.
Freya visualizou aquele sonho uma última vez, todos os momentos, cheiros, gostos e sensações que teriam vivido, que deveriam ter vivido, se encolheu na terra da sepultura que a separava de Locke e chorou mais uma vez, deixando seu coração aberto de feridas incuráveis sangrar até que não restasse nada. Até que ela morresse de uma vez por dentro.
Até que finalmente pudessem ficar juntos.
![](https://img.wattpad.com/cover/357296073-288-k584420.jpg)