Tenha paciência. Tudo aquilo que você deseja, se for verdadeiro, e o mais importante: se for para ser seu, acontecerá.
~ William ShakespeareNarrado por Lorenzo.
Nunca imaginei que veria a minha vida passar em frente aos meus olhos. Cada pequena emoção, cada pequena e curta lembrança, cada risada e cada momento do qual me arrependo profundamente. Nunca imaginei que todas essas emoções viriam à tona no exato momento em que um policial adentrou o salão com uma arma.
O cano de sua arma mirou em minha direção, puxando o gatilho. Suspirei, erguendo as minhas mãos e fechando os olhos, pensando em como seria a sensação de morrer.
Para onde eu iria caso a vida fosse arrancada de mim naquele momento? Será que realmente existia um céu e um inferno? Se existe, tenho certeza que minha irmã está no céu, já que dizem que é um lugar de paz. Mas... e eu? Eu mereço ir para lá? Mereço o céu depois do inferno que causei na terra? Que causei aos meus pais? Que causei as pessoas que me rodeiam?
A ansiedade percorreu o meu corpo, me fazendo engolir a seco à medida que os segundos se passavam.
Então era isso? Eu simplesmente morreria? E não havia nada que eu pudesse fazer para me livrar disso? Minha vida... acabaria ali?
Não... minha vida não pode acabar aqui... eu, eu ainda quero viver. Eu ainda sinto que não vivi o suficiente, sinto que não fiz o suficiente, sinto que ainda falta algo. Uma peça para fechar o quebra-cabeça.
Como meus pais ficariam depois de perder os dois filhos? Certamente seria doloroso para eles, se é que ainda existe espaço para mim no coração deles. Mas e os meninos? E o salão? E... e...
O tiro soou no ambiente. Um som alto e ensurdecedor que fez com que meu corpo inteiro viesse a estremecer. Cada pequeno fio de cabelo do meu corpo se arrepiou ao ouvir, mas para a minha surpresa, eu ainda estava vivo, respirando e quando abri os olhos, o homem que adentrou o salão correndo para se esconder estava ao meu lado.
Morto e jogado no chão.
Uma ambulância se aproximou com suas sirenes altas e a luz vermelha forte. Meus olhos viajavam pelo ambiente, observando o alvoroço ao redor. Policiais adentraram o lugar para verificar o homem, dizendo algumas palavras para Henrique que estava no canto. Médicos correram com uma maca em direção ao homem caído, verificando se ainda tinha pulso.
Mas não tinha. Eu senti que não havia mais pulso nele. Era como... era como um déjà vu. Algo dentro de mim que me dizia que eu já vivenciei aquilo antes.
Levei a mão até a garganta, apertando o lugar ao sentir a minha visão ficar turva. Eu... eu podia ter morrido.
— Ei? Tá tudo bem? — Fábio tocou o meu ombro, se aproximando com um olhar preocupado e verificando se algo havia acontecido comigo.
— Eu... eu podia ter morrido. — Sussurrei, com a minha respiração descontrolada enquanto eu me apoiava na cadeira, em uma tentativa de recuperar o ar. — Meu Deus, Fábio. Eu podia ter morrido. — Senti as lágrimas quentes que caíram de meus olhos, o que me fez apertar ainda mais os dedos na cadeira.
— Tá tudo bem, mano. O susto já passou. — Ele me estendeu um copo com água, com os olhos repletos de preocupação enquanto sua mão ainda estava em meus ombros. — Não aconteceu nada, está tudo bem.
Está tudo bem...
Não aconteceu nada...
O susto já passou.✶
Eu abri a porta de casa, ainda sentindo a adrenalina de tudo que aconteceu algumas horas atrás. Os policiais vieram até mim, se desculpar pelo susto e o alvoroço que causaram pelo salão. Alguns clientes foram embora antes mesmo de terminar seus cortes de cabelo.
Todos chocados com o acontecimento. Todos com medo da morte.
E quando dei o meu primeiro passo para dentro de casa, senti uma sensação diferente ao entrar no lugar. Uma sensação de lar que não soube explicar, como um maldito déjà vu novamente.
A quase morte fazia isso com a gente?
— Filho! Meu Deus! — Minha mãe correu em minha direção, abraçando o meu corpo com seus olhos cheios de lágrimas. Ela me apertou contra seu corpo e acariciou meus cabelos, encostando minha cabeça em seu ombro enquanto eu me mantinha imóvel.
Então... existia um espaço para mim, em seu coração?
— Vimos o que aconteceu no jornal. O salão de vocês está em todas as notícias na internet. — Meu pai veio em minha direção, com o mesmo olhar preocupado. — Filho, vocês colocam suas vidas diariamente em risco quando vão trabalhar naquele lugar. Não podem continuar desse jeito! Você não precisa trabalhar assim. Por que não tenta uma faculdade agora que já está formado? Por que não faz isso para que possa assumir nossa empresa um dia?
Eu fechei o meu punho, sentindo uma raiva crescer dentro de mim como todas as outras vezes em que eles tentavam me impedir de fazer o que eu gostava. Todas as vezes que tentavam controlar a minha vida como faziam com a vida de Lorena.
— Eu não sou a minha irmã. Vocês não mandam em mim como mandaram nela. Eu trabalho com o que eu gosto, não pretendo ficar atrás de uma mesa e passar o resto da minha vida cuidando de negócios que vocês criaram! Não quero cuidar de um restaurante italiano porque vocês querem. — Me afastei do toque de minha mãe, contemplando o seu olhar ficar ainda mais entristecido, o que me fez engolir a seco.
O quê? Por que eu estava agindo dessa forma? Eles só... só estão preocupados.
— Sabemos que você não é a sua irmã. — Minha mãe limpou as lágrimas, abraçando o seu corpo e olhando para os lados. — E... eu gostaria que parasse de nos lembrar o quanto erramos com ela. Sei que nos culpa pela morte dela, e talvez continue nos culpando até o fim de nossas vidas. — Suspirou, parecendo exausta. — Mas gostaria que soubesse que a dor que você sente por perder a sua irmã, sentimos por perder a nossa filha quando sabemos que não fizemos o suficiente por ela. — Me encarou, com os olhos repletos de lágrimas. — E dói ainda mais quando se tem um filho que faz questão de te lembrar diariamente seus erros quando você está tentando melhorar. — Ela me olhou pela última vez, antes de se virar e ir em direção as escadas, subindo degrau por degrau lentamente, como se estivesse imersa nos seus pensamentos. — E... agradeço a Deus por não ter deixado você morrer hoje. Não sei o quão doloroso seria perder dois filhos em tão pouco tempo.
Suas palavras golpearam o meu peito, me trazendo um sentimento de culpa por tudo que eu disse. Algo ardia dentro de mim, que me acusava a todo momento. Que me dizia o quão estúpido eu estava sendo ao agir desse jeito. Que acabei de viver e provavelmente levaria a vida continuando a repetir os mesmos erros.
Então... sentir essas coisas eram efeitos de quase morte?
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Te Encontrei Para Me Amar
RomanceA vida e a morte constituem o limite extremo da existência humana. Os seres humanos nascem para morrer, respiram para deixar de respirar, seus corações batem para deixar de bater e suas vidas surgem para desaparecer. O ciclo sempre foi assim, se rep...