Capítulo 2

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Hoje eu não tenho aula, mas por costume sempre acordo cedo e logo me lembrei do homem na sala e abri a porta do quarto com cuidado para não acordá-lo e para minha surpresa só havia um bilhete em cima do edredom dobrado no sofá.

"Obrigado, te vejo em breve!"

Depois que fiz a faxina e que almocei liguei pra saber como ele estava, mas não me atendeu nem respondeu a mensagem que mandei e nem entrou em contato por uma semana. Pensei que ele não iria mais aparecer até que no sábado quando voltava das compras o encontrei sentado na calçada em frente ao meu prédio com a cabeça apoiada em seus braços sobre os joelhos.

- Oi. - falei baixinho.

- Oi, pequeno! Me desculpe! - ele respondeu com a voz embargada.

- Tá tudo bem, sei que deve estar sendo difícil pra você esse momento.

- Está sim! - ele respondeu sem me olhar ainda.

- Você aceita um chá?

Perguntei com um pouco de receio, pois ele ainda era um estranho para mim. Mas dava pra perceber seu sofrimento,  então não deveria ter problema. Ele aceitou com um sorriso fraco e logo pegou as sacolas de minha mão e subimos.

Eu moro no segundo andar, não sou fã de grandes alturas e da minha varanda e do meu quarto tenho uma linda vista pro lago e a grande área verde ao seu redor. Tomamos o chá num silêncio confortável até ele começar a contar a sua vida.

Sempre foi só ele e a mãe, seu pai foi embora dias depois que soube da gravidez e nunca mais deu notícias e sua mãe se sacrificou muito para criá-lo. E a 5 anos atrás ela recebeu o diagnóstico de câncer de mama, mas já estava num estágio avançado. E mesmo assim ela lutou muito e resistiu o quanto pôde, até que seu corpo não aguentou mais.

- Agora pequeno, eu estou sozinho. Eu não tenho mais ninguém na vida. Assim como eu, minha mãe também era filha única.

Aquilo me cortou o coração, ver um homem tão grande e forte tão fragilizado assim. Eu segurei a sua mão e ele me encarou por um tempo.

- O que você pretende fazer agora? - perguntei já arrependido, isso não era da minha conta.

- Sinceramente? Eu não faço a menor ideia. Eu sempre acreditei que ela sairia dessa e a nossa vida continuaria igual, mas agora só me sobrou a solidão e muitas dívidas.

Ficamos um tempo calados e logo ele se despediu e eu fui arrumar as compras e tomar um banho. Assisti minha série comendo um sanduíche com suco e depois fui dormir. Mas a expressão de dor de Paulo não saia da minha mente.

Ele já não aparecia no Café com tanta frequência, mas sempre me mandava mensagem perguntando como eu estava e como iam meus estudos. Aos poucos ele voltou a sorrir, mas sempre que estávamos juntos ele recebia umas ligações estranhas, as vezes ele se afastava para atender outras ele só ignorava.

Até que um dia ele não percebeu que eu estava me aproximando e atendeu uma dessas ligações e pelo teor da conversa era sobre muito dinheiro que ele não poderia pagar.  E ao me ver ele ficou muito constrangido.

Então respirando fundo ele sorriu sem graça e me disse que iria resolver que eu não precisava me preocupar. Ele me contou que pegou dinheiro emprestado com um agiota, pois já não tinha mais como fazer empréstimos no seu nome ou no de sua mãe e que essa foi a saída que ele encontrou para parar pelas cirurgias e tratamento.

Eu estava arrumando as malas para voltar pra casa, pois essa semana faria 6 anos que meu pai faleceu e isso ainda mexia muito comigo, então eu sempre voltava nessa época pra ficar com minha mãe e minha avó. Passei uma semana com elas recebendo muito carinho e muita comida também. Minha vó me mima muito.

Dois dias depois que eu voltei ainda não tinha visto o Paulo até que voltei de uma palestra na universidade a noite e lá estava ele sentado na calçada com a cabeça apoiada em uma mala enorme entre suas pernas. Assim que percebeu minha presença ele logo se levantou com aquele sorriso sem graça.

- Oi, pequeno! Eu passei só pra me despedir. 

- Você está indo embora? O que houve?

- Sabe, pequeno, eu, eu perdi... meu emprego essa semana... a empresa está numa má fase e... também tive que... eu tive que... entregar a minha casa como pagamento ao agiota ou alguma coisa muito ruim poderia acabar acontecendo comigo.

Eu não podia acreditar no que ele estava dizendo. Como tanta coisa ruim poderia acontecer com uma pessoa em tão pouco tempo? Ele parecia atordoado e eu não sabia o que dizer para consolá-lo.

- Eu vou embora, vou para uma cidade menor tentar alguma coisa com o pouco de dinheiro que me restou. Não tenho como continuar aqui sem casa, sem um emprego e sozinho.

E mais uma vez eu vi aquele homem enorme chorando como uma criança. Ele me abraçou quase me sufocando com seu aperto e sentindo o seu desespero lhe fiz uma proposta.

- Você quer tentar morar comigo por um tempo até você se restabelecer novamente? - por um momento tive medo do que falei, mas não dava pra voltar atrás.

- Eu não quero ser um peso pra você pequeno e me desculpe, mas não posso ser bancado por um universitário. Olha pra mim, eu sou um homem de 39 anos, eu sou um fracassado.

- Calma, Paulo! Você só está passando por um momento difícil e não foi por irresponsabilidade e sim por um motivo nobre, ajudar a sua mãe.

Ele parecia muito envergonhado olhando para os seus pés.

- Vamos, pegue sua mala, está frio hoje.

Eu abri a porta e ele me acompanhou ainda com a cabeça baixa. Levei ele, para o segundo onde minha mãe e minha vó ficam nas raras vezes que aparecem por aqui. Tem duas camas de solteiro com uma mesa de cabeceira entre elas e uma cômoda grande. Disse que ele poderia guardar suas coisas e escolher a cama que quisesse. Mostrei o banheiro e onde ficavam as toalhas e materiais de higiene.

Fiz uns sanduíches com suco e comemos em silêncio, sabia que ele estava envergonhado então apenas me despedi e fui pro meu quarto. Tomei banho no meu banheiro e fui dormir. Acordei cedo pra ir pra aula e senti um cheirinho bom quando cheguei na cozinha ele tinha preparado o nosso café da manhã com ovos, torradas, suco e um leite com canela super gostoso, eu não gosto de café e ele lembrou.

- Você não precisava fazer isso. - falei baixinho.

- Se eu vou ficar aqui com você vou te ajudar nas tarefas de casa pra não te sobrecarregar, pequeno. Assim vou me sentir menos inútil.

Havia tristeza em sua voz, então não questionei.

- Você cozinha melhor do que eu, está tudo uma delícia. - falei sorrindo.

Depois do delicioso café da manhã me arrumei e fui pra universidade. Foi uma manhã cheia de aulas densas e eu estava exausto, mas quando cheguei em casa tinha um delicioso almoço me esperando e eu comi mais do que sou acostumado. E assim se passou um mês. Enquanto eu me dividia entre a universidade, os cursos online e palestras ele cuidava da casa e procurava emprego.

Ele fez algumas entrevistas, mas nenhuma deu resultado. O que deixava ele muito frustrado. E mesmo que eu falasse que ele não precisava se preocupar, pois o apartamento era meu e não tinha muita diferença nas contas por ele estar aqui, ele não se conformava em não contribuir financeiramente. Três meses já tinham se passado e ele estava mais fechado, parecia irritado e as vezes chegava tarde e ia direto pro quarto.

E eu não sabia o que fazer para ajudá-lo. Até que era bom ter ele aqui, ele cuidava da casa e cozinhava, duas coisas que não gosto muito de fazer, mas ajudava na faxina e ele ainda me fazia companhia na hora de assistir minhas séries. Mas a frustração estava corroendo ele.

O amor que me resgatouOnde histórias criam vida. Descubra agora