Capítulo XXVIII

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A P R I L


EU SOU LOUCA, ARTHUR? — A voz da minha mãe irrompeu do silêncio. — O único de nós que teve que ir a um psiquiatra foi você.

Uma porta no fim do corredor se fechou com um baque e a discussão acalorada se tornou um ruído incompreensível à distância.

Dessa vez, meus pais felizmente tiveram a decência de fechar a porta antes que um deles dissesse algo que destruiria de vez qualquer respeito que eu tinha por eles. Paige e Arthur Wright podiam acordar discutindo e trocando os insultos mais baixos, mas até o horário do almoço a coisa toda teria ficado para trás. Eu, por outro lado, não conseguia digerir tanta negatividade antes do café da manhã sem ter uma baita indigestão — por isso, eu os ignorava como regra; não só para me preservar, mas para preservar meu amor por eles também.

Quer dizer, apesar de ter abordado o assunto como ogro, Hunter estava certo sobre minha família: amar aquelas pessoas era complicado — eu mesma, muitas vezes, precisava de pequenos truques para lidar com suas falhas.

Naquele momento, por exemplo, ovos fritos estalavam sobre a frigideira aquecida enquanto eu dava meu melhor para ignorar a voz da minha mãe no fim do corredor — agora que a verdade estava à solta, eu não queria arriscar ouvi-la, nem mesmo vê-la: só a ideia de encarar seu rosto e não encontrar algo para admirar me apavorava.

— Você vai beber isso?

Uma embalagem de iogurte proteico invadiu meu campo de visão.

Eu despejava os ovos sobre uma torrada quando Cole surgiu ao meu lado, sacudindo a garrafinha a centímetros do meu nariz. O sol das primeiras horas da manhã atravessava as janelas e projetava uma luz amarelada pelo interior da cozinha — se não fosse pelo barulho dos nossos pais discutindo atrás de portas fechadas no outro cômodo, nós estaríamos sozinhos no mais perfeito silêncio, cada um preparando seu próprio café da manhã.

Não me dei ao trabalho de respondê-lo.

O iogurte era só um pretexto para dar início a uma conversa. Um descuido meu e ele voltaria a agir como se nada tivesse acontecido, assim toda conversa sobre drogas e arriscar a vida de seus amigos ficaria para trás.

— Tudo bem — disse ao encostar a porta da geladeira. — Agora é meu.

Meu irmão abriu a embalagem ruidosamente e aproveitou a oportunidade para me lançar um olhar avaliativo.

Se eu o conhecia bem, havia acordado mais cedo para correr antes da escola e, entre malhar e se arrumar, perdera a hora. Vestia o mesmo que eu: camisa de botões branca sob um colete de lã acinzentado. Qualquer um que visse seus cabelos loiros ainda úmidos escovados para trás e seu uniforme de St. Clair perfeitamente alinhado imaginaria que aquele era um rapaz com um futuro promissor pela frente — o hematoma esverdeado sob seu olho direito, entretanto, contava uma história diferente.

Mordi a torrada.

— Hunter falou comigo na outra noite.

Uma simples menção ao nome fez o calor se espalhar meu rosto.

— Escuta, April, eu não posso te dizer o que fazer...

— Não pode mesmo — eu o interrompi, batendo as mãos para afastar os farelos da torrada.

— Só não deixa ele te tratar como vagabunda.

Ergui os olhos.

Cole estava maluco se achava que conseguiria chamar minha atenção com ofensas.

BULLSHITOnde histórias criam vida. Descubra agora