Capítulo XXXI

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A P R I L


QUANDO EU ACORDEI, MEU ROSTO estava pressionado contra um travesseiro pesado e cobertas grossas me imobilizavam sobre o colchão. A claridade era forte, capaz de afugentar meu sono e arruinar meu bom humor — definitivamente, eu havia esquecido de fechar as cortinas na noite passada. Eu abri os olhos de má vontade e, por vários segundos, não reconheci meu próprio quarto: as paredes estavam erradas, muito próximas uma da outra, e minha cama estava de ponta a cabeça.

Demorei um bocado para me dar conta de que eu não fazia ideia de onde estava.

Isso até Hunter atravessar a porta do banheiro com passos apressados, nu da cintura para cima, vestindo apenas uma calça de moletom.

O barulho de gavetas se fechando se tornou tão alto, tão urgente, que eu me lembrei.

Puta que pariu.

Eu dormi na casa do Hunter.

— Nós temos que sair daqui. — Ele jogou uma muda de roupas sobre a cama e arregalou seus olhos azuis para mim. — Vista isso. Agora.

Bem lembrado.

Eu continuava nua embaixo do cobertor.

Vesti o blusão de lã que ele separou e usei uma de suas cuecas como shorts, sentindo meu coração bater como louco no peito.

Que jeito de acordar.

Não que Hunter estivesse melhor do que eu, claro.

Enquanto eu tentava domar meu cabelo, Hunter pegou as chaves do carro sobre a cômoda, agarrou a jaqueta de couro e desceu uma camisa branca sobre as costelas — o rosto dele estava amassado de sono e seus olhos estavam avermelhados como se tivessem enfrentado uma noite mal dormida.

— Depressa — ele me chamou, passando pelo batente da porta. — Vamos sair pela cozinha.

Eu ouvi o som de vozes abafadas, o tilintar de chaves e os latidos poderosos de um cachorro no hall.

A sensação era de que a casa poderia ir ao chão a qualquer momento.

Quando eu finalmente alcancei as escadas, a porta da frente se abriu em um solavanco e um cachorro escuro como a noite enorme disparou da entrada para a sala estar, perseguido por uma criança em uma capa de chuva. Em seguida, uma mulher passou pela porta segurando uma mochila infantil — tinha um rosto jovem, mas podia ser a mãe do Hunter.

— Julie, você vai molhar tudo — avisou, pendurando a pequena mochila no hall de entrada. — Julie!

Atrás dela, uma senhora mais velha abandonou um par de malas no chão. Ela retirou um casaco pesado e seu olhar atravessou o corredor para cair sobre Hunter.

A jaqueta! — Ela arfou, segurando Hunter pelas lapelas aos pés da escada. — Não deixe ele passar, Lizzie. Ele esconde os maços de cigarros nos bolsos da jaqueta, eu sei disso.

Lizzie, porém, não prestou atenção no chamado. Ela tinha me avistado no topo das escadas e me encarava sem esconder a surpresa.

Eu mesma não sabia como reagir. Não havia uma saída milagrosa para a situação e nenhuma palavra brilhante me vinha à mente — pega em flagrante com roupas emprestadas e praticamente engasgada com a minha própria língua, eu teria mais chance de me safar se tivessem me jogado na cova dos leões.

A gargalhada de Hunter atravessou meus ouvidos quase tão alta quanto os latidos do cachorro.

— Bom dia, Nana. — Ele sorria com as mãos atrás da cabeça, enquanto a senhora revistava os bolsos de sua jaqueta como se fosse da polícia. — Vejo que você voltou mais cedo.

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