Capítulo XXX [PARTE DOIS]

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A P R I L


— EU ESTOU INCOMODANDO VOCÊS? — eu perguntei devagar, porém alto o suficiente para alcançar os passantes, até mesmo aqueles que nos observavam a uma distância segura. Todos eles, malditos fofoqueiros. Eu e Jackie teríamos conseguido atravessar o parque em paz se não fosse pelo olhar clínico de mães super protetoras e pela imaginação fértil de meia dúzia de aposentados.

Quando não recebi uma resposta, eu me dirigi ao homem bloqueando meu caminho:

— Eles não parecem incomodados para mim! — Gesticulei para trás, onde eu sabia que um grupo de idosos cochichava. — Não entendo como podemos estar perturbando a paz, seu guarda.

Pelo canto do olho, eu flagrei o momento em que Jackie ergueu a mão em direção ao rosto do outro guarda. Ela parecia fascinada pelo bigode que crescia sobre o lábio superior do homem, uma penugem branca tão espessa e vívida quanto a de uma lagarta de fogo. Por sorte, eu segurei minha amiga pelo braço a tempo de evitar um incidente e consegui esconder a cesta de piquenique atrás do meu corpo com cuidado — explicar ao homem o que diabos Jackie queria com seu bigode estava fora de cogitação e, embora eu não tivesse cem por cento de certeza do teor de THC naqueles brownies, eu não podia arriscar tê-los confiscados por um policial com uma fraqueza por doces.

Quer dizer, eu e Jackie achávamos que os brownies tinham maconha.

Talvez não muita, mas havia alguma coisa ali.

Sendo bem sincera, o contraste entre a expectativa e a realidade chegava a me deixar triste. Sério. Levando em consideração tudo o que passamos para conseguir aquela maldita cesta de brownies, eu estava esperando ser derrubada por uma onda mais forte do que aquela que varreu Woodstock em 1969 — se bem que eu duvidava que em Woodstock eles tivessem parado apenas na maconha.

O que importava era que eu esperava algo completamente diferente e, apesar da dormência e da leve sensação desorientação, volta e meia eu me perguntava: "será que bateu mesmo?".

Talvez tudo não passasse de um efeito placebo muito louco. Quer dizer, olhar para a cara de Jackie e cair na risada não era uma experiência tão distante de qualquer terça-feira comum na minha vida.

— Garota, é melhor você abaixar seu tom de voz e nos acompanhar até a delegacia — o homem de uniforme tinha as mãos em repouso sobre o cinto, sua barriga saliente apontava para mim. — Você e sua amiga estão em apuros.

Ignorando a ameaça, Jackie tocou o próprio rosto.

Merda.

Eu tive que morder a boca para não rir.

— Mas por quê?

As palavras abandonaram meus lábios agudas demais para meus ouvidos. Se eu não arrumasse a minha postura logo, o guarda pensaria que eu estava debochando dele e, na minha experiência, não havia nada pior do que um homem fardado ofendido — eles conseguiam ser piores do que madames.

Muito bem.

Eu continuava a segurar Jackie e o cesto, completamente imóvel. Talvez imóvel até demais.

Oh, Deus.

Graças à minha falta de atenção, eu não percebi que guarda estava falando de novo.

Mas não era comigo.

Ele colou sua boca ao rádio pendurado em seu uniforme, olhos perdidos no portão atrás de nós:

— Unidade, responda. Câmbio.

Nós ouvimos o inconfundível som de vidro se quebrando seguido pelo silvo estridente de um alarme de segurança. Entre o ir e vir de curiosos, eu consegui distinguir a pequena viatura estacionada próxima às grades do parque: seu retrovisor parecia ter sido estraçalhado por um objeto do tamanho de uma roda.

BULLSHITOnde histórias criam vida. Descubra agora