Capítulo IV

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— VOCÊ DEIXOU ELA TOCAR no seu carro? — Seth exclamou, surpreso demais para se controlar.

Hunter bufou, se preparando para o que viria a seguir. Depois de tantos anos de amizade, era de se esperar que ele estivesse acostumado às alterações repentinas no tom de voz do ruivo, ou ao menos tivesse perdido parte da sensibilidade nos tímpanos, mas não: ainda doía toda maldita vez que aquilo acontecia. Especialmente hoje, quando qualquer som mais alto ecoava por seu cérebro, latejando contra o crânio.

Tirando a parte da bebedeira com os amigos, a noite anterior fora um fiasco. Quando finalmente conseguiu se deitar para descansar, um par de olhos castanhos invadiu seus pensamentos — era aquele estado intermediário entre o sonho e a realidade, em que a letargia invadia seu corpo antes de dominá-lo completamente. O que o despertou foi a surpresa: o que diabos April Wright estava fazendo em sua cabeça? Aquilo o manteve alerta pelo resto da madrugada. Só se rendeu ao sono quando teve certeza de que ela não seria seu último pensamento antes de dormir.

Pela manhã, fora difícil reunir coragem para ir a St Clair, mas depois de alguma pressão por parte da família, ele decidiu ir — só para ganhar a presença, é claro. Sendo realista, o garoto pegaria no sono onde quer que encostasse a cabeça.

— Não só tocar, como também dirigir  —   Finch repetiu as notícias que ouvira na noite anterior, deixando o ruivo a parte.

O carro ainda não é meu, Hunter pensou em retrucar, mas é claro que aquela era uma informação irrelevante para os amigos. No caminho para St. Clair, Finch acabou dando com a língua nos dentes sobre o acontecimento Wright e desde então a voz do ruivo servia de alimento para uma dor de cabeça crescente.

— Por que eu só fiquei sabendo disso agora? — Seth cuspiu a pergunta. Deveria ser a trilionésima da última meia hora.

Hunter colocou um cigarro entre os lábios, ignorando os dois. Era uma manhã nublada, clara o suficiente para obrigá-lo a usar óculos escuros. A temperatura amena permitia o uso do moletom preto e gasto por cima do uniforme, com as mangas arregaçadas até os cotovelos como de praxe. Ele levou um isqueiro até a extremidade do cigarro e o acendeu, para então tragar longamente.

— Nós te poupamos dessa, Seth — Finch lembrou — Você estava acabado ontem.

Na noite anterior, eles decidiram fazer uma pequena celebração de volta às aulas e as coisas saíram do controle. O ruivo apagou no bar depois de se meter em um jogo envolvendo bebidas e devia estar fedendo a cerveja até agora.

— Espera um pouco. De novo, só para ver se eu entendi. Você deixou uma garota, e não só uma garota qualquer, mas April Wright dirigir seu carro?

Era precisamente por isso que ele não queria que os amigos soubessem o que havia acontecido. Existiam assuntos que podiam ser tratados com Seth e outros que deveriam ser evitados de qualquer maneira. O ruivo sempre via segundas intenções, às vezes até terceiras, por trás de cada atitude do amigo — e ele não estava errado, mas ainda era uma mania chata do caralho.

— Não é meu carro — Hunter fez uma pausa para exalar a fumaça, seus olhos em frestas por debaixo dos óculos escuros — E fiz isso porque estava curioso.

— Curioso? Sobre April Wright? — um sorriso zombeteiro se espalhou pelo rosto de Seth — Eu e metade do corpo estudantil te entendemos.

Hunter quase riu. Mesmo antes da tarde anterior, ele já desconfiava que April não se deixaria encaixar fácil no estereótipo de patricinha superficial. Havia algo mais que tornava aquela garota interessante, algo que dirigia caras como ele à loucura. Desde aquela noite em que se encontraram em um closet, alguma coisa havia mudado — ele poderia estar delirando, mas se tinha uma chance de April se sentir atraída por ele, Hunter queria saber. Só esperava não ter ido longe demais ao testar isso.

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