Capítulo XVIII

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SE A TARDE NO LAGO fora quente e ensolarada, o dia seguinte amanhecera seu completo oposto. Desde as primeiras horas da manhã uma chuva insistente castigava o asfalto. Havia um engarrafamento em cada esquina da cidade e na entrada de St Clair não poderia ser diferente. Dirigindo a vários números abaixo do limite de velocidade, April Wright seguia um Land Rover de perto. Assim como o motorista do carro à frente, ela procurava por uma vaga e aquilo certamente iria demorar — vinte minutos tinham se passado desde o início das aulas e o estacionamento estava lotado.

April suspirou alto, batucando os dedos no volante. Dirigia o carro de Cole. Não pensara duas vezes antes de pegá-lo emprestado, já que seu irmão saíra mais cedo com uma carona. Ele precisava entender, aquela era uma situação de emergência. Se April chegasse atrasada mais uma vez, outra advertência seria somada à sua ficha estudantil. Já perdera a conta de quantas haviam se acumulado desde o início das aulas e aquilo estava começando a ficar perigoso.

Com certeza não queria descobrir quantas observações negativas eram necessárias para reduzir sua nota em Comportamento à zero. April recebia cartõezinhos parabenizando-a por seu comportamento impecável desde que entrara no colégio e não seria no último ano que sua tradição seria quebrada — contrariando a crença popular, um estudante honorário não era sinônimo de estudante honesto: ela pretendia sair de St Clair formada na arte da cara de pau, sem se orgulhar nem um pouco desse fato.

Entre as inúmeras outras coisas que não a traziam orgulho, talvez a que mais a envergonhasse naquele instante fosse sua relação complicada com Hunter Campbell. Agarrar-se a fichas estudantis e atrasos parecia mais produtivo do que gastar outro segundo lembrando do nome dele. Hunter era um alcoólatra preso no corpo sarado de um garoto de dezoito anos e pensar nele só lhe traria problemas.

Virando em mais uma das intermináveis fileiras de carro, April estendeu a mão para retirar o café do porta copos. O aroma escapava do copo fumegante e perfumava o interior do carro, fazendo sua boca salivar. Estava tão quentinho e cheiroso ali dentro que a menina se encolhia só de pensar em enfrentar a chuva. Ao sair de casa naquela manhã, April conseguiu em uma tacada só encharcar os cabelos castanhos — agora quase pretos — e ensopar o sobretudo cinza. Sentia um frio de congelar os ossos, mas, com sorte, alguns goles da bebida quente bastariam para aquecê-la.

April retornou o copo ao compartimento e ergueu os olhos do painel para o pára-brisas.

Seguia em frente a uma velocidade constante há tanto tempo que percebeu quando o carro da frente parou. A traseira do Land Rover se aproximava em câmera lenta e seu corpo permanecia congelado, apenas esperando pelo momento da colisão.

O impacto da batida fez seu carro sacolejar.

Aquilo foi suficiente para acordá-la do torpor e manobrar para longe. Sem se importar com a chuva ou com o frio, April abriu a porta e desceu do automóvel. Seu coração acelerado doía só de imaginar o valor para consertar um amassado em uma maldita Land Rover. Era um dia triste para os amantes do automobilismo em St Clair, afinal.

Depois de muito analisar, April concluiu que seu carro havia dado apenas um beijinho na traseira do outro. As placas, porém, sofreram um dano irreversível: se amassaram completamente com o impacto.

— Tudo bem aí? — o outro motorista também desembarcou do próprio veículo, fechando a porta atrás de si.

Ele usava um jornal para proteger o rosto da chuva, enquanto April se deixava molhar livremente, ensopando seu uniforme. O temporal caía tão furioso e forte que ela mal conseguia enxergar o edifício da biblioteca a uns metros dali.

Assim que a silhueta masculina se aproximou, April o reconheceu imediatamente: Josh Halden. Cabelos claros devidamente arrumados e dentes brancos alinhados em um semi sorriso. E ele havia a reconhecido também.

BULLSHITOnde histórias criam vida. Descubra agora