ERA UM DIA ESPECIAL na casa dos Wright. O jogo de porcelanas da família fora retirado do alto das prateleiras do armário de louças para ocupar posição de destaque sobre a imensa mesa de mogno da sala de jantar. Em sua superfície, a prataria brilhava recém polida, cada peça tão impecável quanto a anterior. April estava sentada ali há tanto tempo, alheia às tentativas falhas da mãe e do irmão de iniciarem uma conversa, que poderia jurar que examinara todos os talheres do conjunto em busca de manchas e não encontrara nenhuma — sua bunda, achatada pelo formato da cadeira, comprovaria a história ou pelo menos parte dela.O jantar fora planejado com dias de antecedência por Paige Wright, a mãe de April. Era para ser uma surpresa: após passar mais de uma semana fora em uma viagem a trabalho, o pai de April estava de volta bem a tempo para uma refeição em família. Seria uma questão de minutos até que a menina se tornasse o assunto principal na mesa e a constatação sozinha foi suficiente para deixá-la de estômago embrulhado.
Quando April ficou sabendo que a escola havia notificado seus pais, seu primeiro reflexo fora rir. Sem dúvida nenhuma, aqueles eram novos tempos em St Clair. A menina não deveria ter pensado que sairia impune dessa, especialmente não depois de ter cometido uma infração bem debaixo do nariz do professor novo. Por mais amargo que fosse, precisava admitir que seu fim era justo. Uma série de decisões estúpidas a levaram até aquele momento e agora só lhe restava arcar com as consequências de queixo erguido. Ela sabia que, se dependesse dos pais, seriam muitas.
Enquanto April, a mãe e o irmão aguardavam por Arthur, o único som na sala era o tímido crepitar da lareira. O homem só daria as caras no mais tardar, quando as ligações à negócio cessassem e ele finalmente pudesse deixar o escritório. Ainda não existia palavra que descrevesse bem o suficiente o quanto o pai de April se dedicava ao trabalho. Bem conectado e figura conhecida na sociedade local, Arthur ocupava um cargo de destaque em uma empresa no ramo de bebidas. Ele conquistou aquele lugar com o mesmo ímpeto feroz que lhe foi responsável por abrir tantas portas em sua vida. Em uma cidade onde sucesso era algo que vinha do berço, os Wright eram a exceção, não a regra. Não se passava um dia sem que se esquecessem disso.
O relógio de parede marcava vinte e duas horas quando April ouviu o som de passos no corredor. Mesmo à distância ela reconheceu duas vozes: a de seu pai e a da governanta, que o seguia de perto com lamúrias intermináveis sobre os reparos que a casa precisava. A empregada, uma senhora que atendia pelo nome de Greta, nunca fora vista por April sem os cabelos presos em um coque e o tradicional avental branco amarrado à cintura. Ela tinha um metro e cinquenta de altura e era conhecida por sua persistência.— Está tudo bem, Greta. Não se preocupe com isso — a voz do homem soava abafada por trás da porta, tensa com algo que nada tinha a ver com calhas e telhas.
— Mas precisamos de um conserto até quinta! A mansão deve ter as calhas desobstruídas de folhas ao menos uma vez por mês — a mulher de cabelos brancos insistiu, seus passinhos apressados cada vez mais altos a medida que eles se aproximavam da sala de jantar.
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BULLSHIT
Genç Kurgu[EM ANDAMENTO.] April Wright tem um problema. O problema dela tem olhos azuis, um sorriso que faz suas pernas estremecerem e, principalmente, uma personalidade nem um pouco encantadora. Com muita apatia acumulada era tarde demais para qualquer coisa...