Capítulo XVI [PARTE UM]

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A CASA DOS WRIGHT iluminava a madrugada como um farol na escuridão. Era pouco depois das duas da manhã e, naquele silêncio, os pais de April provavelmente a ouviriam chegar a quadras de distância. Hunter guiou a moto pela rua fechada e o asfalto liso deu lugar a pedrinhas soltas de cascalho. Os cilindros ainda vibravam entre suas pernas quando April desceu da máquina: um par de pés descalços, cabelos castanhos desgrenhados e um vestido com a barra completamente imunda. Campbell ficou em dúvida se ela era um furacão ou o rastro de destruição que ficou para trás.

— Deixa que eu te ajudo com isso — murmurou, notando a falta de jeito da menina com a correia do capacete.

O olhar que ele recebeu de volta foi resposta o suficiente para fazê-lo recolher as mãos.

Segundos depois, o capacete desafivelado atingiu a grama.

Sem dúvidas, um furacão, ele pensou. Dizer que April estava irritada era menosprezar deliberadamente a situação. Hunter estava ficando sem superlativos para descrever o tamanho da fúria da menina.

Depois de correrem às cegas e despistarem um policial, April deixara bem claro que o ruído da Harley não era bem-vindo nas redondezas da casa dos Wright. A menina disse em outra ocasião que os pais tinham horror a motocicletas e jamais a permitiriam subir em uma. Hunter poderia facilmente ter estacionado a alguns quarteirões para acompanhá-la a pé até a porta, mas estava tarde e ele estava cansado — todas aquelas regras estavam começando a soar como ordens e ninguém o dizia o que fazer.

April não precisou tocar a campainha. Assim que alcançou a varanda da frente o barulho de passos apressados se fez presente do outro lado da porta e luzes no interior da casa foram acesas uma por uma. A menina apenas cruzou os braços em frente ao corpo e esperou, agarrando-se a jaqueta de couro preta ao redor dos ombros.

— Graças a Deus! — a porta se abriu revelando uma figura rechonchuda, alguns centímetros mais baixa que April. Era Greta, a governanta. Ela recebeu a menina com a touquinha de dormir ainda nos cabelos e Peludo, o assustador gato persa, pendurado em seu colo — Estava preocupada! Entre, senhorita April.

Uma vez dentro da casa, a governanta estendeu o felino para menina que o segurou como pôde. April estava vagamente familiarizada com o peso e a forma do inquilino — aquela era uma bola de pêlos cinza como fuligem e carente como poucos gatos eram. Peludo ronronou ao receber um carinho hesitante, fechando os olhos amarelos em sinal de confiança e April arriscou um olhar hesitante para cima.

Na mesinha do hall havia uma xícara fumegante de chá e um livro de mistério gasto, com a lombada surrada. Ambos pertenciam a Greta, assim como o felino em seus braços. April sabia que uma vez que subisse as escadas todos os sinais de que Greta estivera nessa parte da casa desapareceriam como se a governanta nunca tivesse pisado ali.

— Greta! Você ficou acordada esperando por mim?

A governanta não respondeu. Havia congelado antes de fechar a porta e olhava fixamente para um ponto acima dos ombros de April.

Cabelos desarrumados, vestido de preto dos pés à cabeça, soturno como o diabo. Até o momento, Hunter não havia dito nenhuma palavra. Apenas alguns metros atrás dele, a moto se posicionava exatamente sob a mancha de luz em frente da casa, reluzindo como joia recém polida. Era como somar um mais um.

A maçaneta dourada rangeu envolta pelo aperto firme dos dedos enrugados da governanta.

— Eu explico tudo — a menina prometeu, aproximando-se de Greta com Peludo no colo — Greta, onde está todo mundo?

— Estão todos na festa, senhorita — a governanta não tirava os olhos do garoto, franzindo a testa escondida pela touca — Seu carro deveria ter chegado há algum tempo... Eu fiquei preocupada.

BULLSHITOnde histórias criam vida. Descubra agora