Capítulo X

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OS PRIMEIROS RAIOS DE SOL da manhã vazavam pelas frestas da cortina e coloriam o quarto em amarelo. Mesmo de olhos fechados, um pequeno sorriso despontava nos lábios de Hunter. Ele não resistiu ao impulso de se aconchegar mais entre as cobertas, afundando o nariz no travesseiro. Teria deslizado para a inconsciência novamente se não fosse pelo som da casa funcionando em pleno vapor no andar de baixo. O barulho de panelas se chocando contra o fogão e talheres raspando pratos se tornou cada vez mais alto, até que atingiu uma altura impossível de ignorar.

Ele apoiou o corpo nos cotovelos, pronto para se levantar, quando suas sobrancelhas se encresparam em confusão. A julgar pelo pequeno amontoado de roupas em cima da cama, Hunter havia usado sua jaqueta de couro como travesseiro. A mesma jaqueta envolveu os ombros de April Wright na noite anterior. O cheiro dela ficou impregnado tanto no tecido quanto em sua mente. Era como inspirar um buquê de flores recém cortadas. A pele macia irradiava o frescor das frutas vermelhas, intoxicando seus sentidos. Aquele aroma inebriante estava no pescoço dela e na raiz do cabelo castanho. Ele não esqueceria da sensação de beijá-la tão cedo.

Inferno. Graças àquela garota, ele estava se comportando que nem um psicopata.

Hunter arremessou o casaco para longe e a porta do quarto se abriu em um rompante. Era Elizabeth, a mãe dele. Ela atravessou o cômodo em um ritmo expressamente proibido pelo filho antes das oito da manhã e afastou as cortinas, permitindo que a luz entrasse.

— Não — ele suplicou, puxando a coberta sobre a cabeça para se proteger.

A mulher não mostrou misericórdia. Ela abriu a janela e a madeira deslizou para cima sem resistência alguma, como se nunca tivesse emperrado na vida. Fazia uma manhã especialmente fria lá fora, como Hunter descobriu.

— Bom dia, sol — Elizabeth fingiu reparar no estado deplorável do filho apenas nesse instante. Ela acariciou uma parte do cabelo curto que ficou de fora do edredom e Hunter se cobriu rapidamente — Está na hora de acordar.

O garoto suspirou alto ao ouvir a mãe sair pela porta. Era uma questão de tempo até que ela voltasse trazendo ainda mais barulho consigo. As molas da cama rangeram sob seu corpo quando ele arrumou a coluna, saindo da posição horrível que se encontrava.

Salvo os olhos azuis cor de safira e o senso de humor, Hunter não se parecia muito com a mãe. Inegavelmente, havia herdado todo o resto do pai: desde o sorriso ao modo de se portar. Ele era um Campbell, afinal.

— Cinco minutos. Mais um pouco e você perde o café da manhã e vai direto para o banho — ela entrou no cômodo novamente, dessa vez colocando um brinco na orelha direita. Estava quase pronta para sair.

— Boa tentativa — Hunter sibilou para si, até que lembrou que a mãe não podia escutar nada — Eu posso ficar pronto em vinte minutos!

A mulher de cabelos escuros parou no batente da porta com um sorriso triunfante:

— Não se você quiser comer panquecas.

Ele ficou em silêncio debaixo das cobertas e Elizabeth revirou os olhos. Como mãe, conhecia bem o próprio filho.

— Eu podia comê-las enquanto coloco os sapatos — Hunter murmurou em tom pensativo.

— Não mandei você ficar na rua até altas horas, mandei? — a mulher recolheu a jaqueta preta do chão e a engatou nas costas de uma cadeira — Arrume a cama e não se esqueça de fechar a janela quando sair. Vou levar sua irmã para escola.

Hunter suspirou, ouvindo a mãe fechar a porta atrás de si. Era uma tática que ele conhecia bem: apelar para o peso na consciência. Se ela deixasse a filha na escola provavelmente chegaria atrasada no serviço.

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